15 de setembro de 2010

A Ascensão Política da Ralé




É evidente que a Comissão Europeia não pode fazer vista grossa ao que se está a passar em França com a expulsão selectiva de cidadãos europeus, de pleno direito, com base em critérios raciais. Não há outros: desemprego, sujidade, pobreza, criminalidade ou outras justificações não podem ser validadas por ninguém porque os ciganos romenos não são os únicos «desempregados», «sujos», «sem-abrigo» ou «criminosos» que existem em França. Nem é obviamente lícito levar a cabo generalizações perigosas. Infelizmente, o Estado romeno não parece estar propriamente activo na defesa dos seus cidadãos. E Estados como o português parecem sofre do mesmo síndrome...

O argumento é racial, ainda que polvilhado com nuances cosméticas muito características da hipocrisia ocidental. O facto de as empresas francesas preferirem pagar aos romenos na Roménia do que em França não pode ser razão para proceder a deslocações humanas que, por enquanto, são concretizadas com base em inverosímeis «contratos de saída» (o valor pago pelo governo francês para que os ciganos calem o bico). Nem o desejo nacionalista de «devolver a França aos franceses»…

Assobiar e olhar para o lado descredibiliza todos os fundamentos da União Europeia - o respeito pelos direitos humanos e a livre circulação de pessoas em espaço europeu - e, naturalmente, dá espaço à ascensão política da ralé (que se distingue do povo e que vemos diariamente, por exemplo, nos comentários online de jornais e blogues) porque a impunidade das autoridades francesas legitima a histeria e a voracidade sanguinária de que se alimenta o segmento mais rasteiro e viscoso das nossas sociedades: os agiotas sociais embrutecidos, de raciocínio unidimensional, para quem os valores são aquilo que lhe falta na bolsa e os princípios são o ponto de partida que quer esquecer custe o que custar.

Por outro lado, ignorar o que se está a passar em França (e, de forma menos institucionalizada, em outras partes da Europa) significa um compromisso tácito porque irresponsável com a vil ideologia que alimentou a ralé e a movimentou contra as «forças ocultas» que tinham nos judeus, convenientemente, a sua expressão máxima. De arrasto, todas as minorias étnicas, entre as quais os ciganos. O argumento da raça superior «demonstrou» a inevitabilidade da selecção da espécie há 70 anos, mas não sem antes espoliar as raças inferiores. E a história demonstra como os desejos de igualdade acentuaram a desigualdade: os judeus tinham o desejo de se integrarem nas respectivas sociedades mas, não obstante os processos de assimilação, o sucesso dos judeus justificava-se precisamente pela sua excepcionalidade e, nalguns casos, exotismo. Que o diga Benjamin Disraeli.

A França, nação que sempre alternou de forma paradoxal os bons e maus contributos (a Revolução Francesa com o terror jacobino e o imperialismo napoleónico, o anti-semitismo mais sentido na Europa pré-hitleriana com a defesa dos direitos humanos, cívicos e políticos, etc.), vê-se agora na fase negra da sua doença bipolar. Em França, para que a estigmatização total(itária) seja concluída, só é preciso que as autoridades francesas arranjem um Caso Dreyfus. Certa comunicação social dará cobertura. Porque os tiques já lá estão, como se pode ver pela soberba do secretário de Estado para os Assuntos Europeus Pierre Lellouche: "não é assim que se fala com um grande país". Para bom entendedor...

1 comentário:

silk disse...

na mouche