Com 32,38% dos votos, o PS surge como a segunda força política
mais votada. Contudo, importa peneirar a conversão de votos em mandatos para
relembrar que, desagregando os resultados da coligação, o PS surge com apenas
menos um deputado (85) do que o PSD (86).
Esta circunstância vem baralhar os conceitos de maiorias a que
estamos habituados fundamentalmente porque há uma maioria de esquerda
ideologicamente contrária à força mais votada que, nas palavras proferidas a
quente por António Costa na noite eleitoral, se constitui como uma «maioria
negativa». Sê-lo-ia se o objectivo consistisse unicamente em excluir ao invés
de acrescentar. E aqui entra a bidimensionalidade da coisa, expressa pela
possibilidade de alternativas de facto em que todos os partidos com assento
parlamentar são suscetíveis de participar e em que as coligações ganham aqui o
importante papel que o nosso sistema eleitoral, pluripartidário e proporcional,
lhes reserva.
A direita perdeu as eleições em toda a linha. Juntos, PSD e CDS-PP
perderam 30 deputados, tiveram menos 738301 votos, ie, menos 26,38% da
votação conseguida em 2011. A leitura só pode ser uma e representa uma forte
oposição da maioria dos eleitores votantes à política de direita cujas graves
consequências socioeconómicas hipotecam o futuro do país e de várias gerações
de portugueses.
A fratura essencial que ficou expressa eleitoralmente não tem que
ver com o Tratado Orçamental, com a dissolução da União Económica e Monetária
nem com a consequente saída do euro. Essas são matérias – na minha opinião
referendáveis – que tanto a CDU como o BE defendem para atingir um fim: o
crescimento económico sem austeridade centrado numa redistribuição justa da
riqueza e na defesa da Constituição. Ora, esse é o fim que o PS também defende
ser possível. Sem esquecer a própria renegociação da dívida alvitrada pelo PS,
embalado pelo ar refrescante que se fazia soprar da Grécia no início do ano. Em
suma, a base de entendimento na esquerda está evidentemente centrada na recusa
da austeridade por muito ruído que os partidos de direita e alguns sectores do
PS possam fazer em torno na mera possibilidade de convergência de esquerda.
Num primeiro momento, o PS manifestou a sua disponibilidade para
viabilizar o governo de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas e de Cavaco Silva.
Justifica-o em nome de uma ilusão de estabilidade política que, sabemo-lo, tem
um prazo. Mas não deixa de ser curioso notar que a pretensa estabilidade
política ferreamente defendida por Cavaco Silva foi também conservada a ferros
e à custa de muitos sapos engolidos, alguns irrevogáveis para espanto de todos
quantos ainda se espantariam com o espírito utilitarista de Paulo Portas. É um
mito, portanto, que a coligação de direita seja garantia de maior estabilidade
do que uma qualquer coligação de esquerda, mesmo admitindo todas as tácticas de
pura dominação territorial e sobrevivência partidária que caracterizam as
farpas lançadas entre os sectores progressistas. Ainda que muitos dos infantes
deste imenso tabuleiro não o compreendam, há na política muito para além do
lirismo ideológico que por vezes não dominam e até atrapalha.
Toda a gente já percebeu que este é mais um momento histórico que
estamos a viver. Quer para a existência do PS porque aqui tem uma oportunidade
única de corrigir a amplitude ideológica das últimas décadas quer para o PCP,
porque tem aqui uma janela para se afirmar como alternativa credível aos olhos
do eleitorado [que até já reconhece essa credibilidade nas autarquias] e
libertar-se dos grilhões anticomunistas que tanto jeito dão na hora de agitar o
bicho-papão.
A CDU e o BE acrescentaram nestas eleições mais do que o
crescimento em votos e em deputados. Deram sequência e conteúdo governativo às
reivindicações expressas pelos portugueses, estenderam pontes de diálogo e disponibilizaram
as suas forças ao PS para romper com as políticas que atiraram milhões de
portugueses para a pobreza. Os seus militantes estarão certamente orgulhosos
pelas decisões responsáveis dos seus respetivos líderes em apresentar essa
disponibilidade. Só por aí já ficámos todos a ganhar.
Na comunicação que o Presidente da República fez aos portugueses
no rescaldo das eleições ficou bem patente a repulsa pelas escolhas
democráticas dos eleitores quando, sem surpresas, expressou o único cenário que
tem em mente: o chamado bloco central.
Os dados estão lançados.