7 de outubro de 2004

em de-talhe

MARCELO E O XVI GOVERNO CONSTITUCIONAL
Há escassos meses, quando Sampaio decidiu nomear o XVI Governo Constitucional, não obstante toda a polémica gerada em torno de um Primeiro Ministro forjado à martelada, tudo fazia crer (desde os mais críticos aos mais moderados), que haveria festa noite e dia. Assim sucedeu.
Como não bastasse a falta de legimidade eleitoral da maioria governamental (apesar de as legislativas elegerem deputados à AR, é indiscutivel a sua mediatização em torno do líder), junte-se a falta de legimidade política. É que, para além de Santana Lopes se ter candidatado em múltiplos congressos a presidente dos sociais democratas, e de nenhum deles ter logrado sair vencedor, o processo de eleição na Comissão Nacional foi condicionado pela necessidade de validar um presidente apressado pela pressa de outro. E, diga-se de passagem, não se compreende porquê escolher Santana Lopes, o tal que a dada altura chegou mesmo a anunciar o seu abandono após se ter sentido vítima de assassínio político, conforme se queixou ao PR (ele, político profissional); o mesmo que trocou profundas e víscerais divergências com Durão durante o congresso que consagrou o último como Presidente do PSD.
Mais, depois das brilhantes prestações na Câmara Municipal de Lisboa, na Figueira (lamento mas construir ao arrepio das mais elementares normas de equilíbrio financeiro e ambiental é o mesmo que pagar 750 euros de mensalidade por um BMW, quando se aufere um vencimento de 1000) ou na Secretaria de Estado da Cultura (de tal forma que no mandato seguinte, Cavaco promoveu Durão a Ministro e presenteou com bilhete de volta o nosso actual PM)?
Mas enfim, esta é apenas uma pequena parte deste triste episódio. Sem me querer alongar em demasia, cedo este governo deu mostras da sua impreparação, da sua incapacidade para governar. Falamos, em concreto e só para enumerar os mais graves, da desproporcionalidade e arrogância com que foi tratada a questão do barco do aborto, dando o dito por não dito, como de resto, tem sido apanágio deste elenco governativo, uma governação tacteante do género «vamos lá ver se pega»; falamos também da incompetência revelada pelo Ministério da Educação (a Compta já se demarcou, comunicando que os erros ocorridos resultam de sucessivos input's para os quais o programa não estaria inicialmente preparado), e do acentuar da atitude distanciada e reveladora do mais profundo desrespeito pelos profissionais do sector; e sem entrar em detalhe, ocorre-nos os episódios Nobre Guedes e Galp, Celeste Cardona na CGD, a extraordinária obcessão com segurança privada, generalização de assessores por medida, nomeações compulsivas na administração pública, receitas extraordinárias para iludir as estatísticas europeias, sem contabilizar evidentemente todos os episódios que já entraram para a imagem de marca deste governo a dois, como tem feito questão de salientar o antigo número dois, Paulo Portas dos marinheiros e das alforrecas.
Há um par de dias, o próprio governo levantou mais um caso, dando uma demonstração em toda a linha da sua inaptidão política, através do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Silva. É claro que o princípio do contraditório deve ser, sempre que possível ou desejável, assegurado. Mas essa é uma questão ética e mais se torna quando se trata de um operador privado de televisão. Aquele era o alinhamento desejado pela TVI (ou se calhar já o não era assim tanto, mas isso é outra questão que ainda se poderá revelar bem mais grave) e nem que passasse o «Show do Ratinho», o âmbito de intervenção do governo seria nulo, desde que inscrito no quadro da legalidade, é evidente. Não era esse o caso e em Portugal não há delito de opinião. Quanto muito, seria caso para a Alta-Autoridade para a Comunicação Social.
Todavia, ao nível do governo, os comentários do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa constituíam realmente uma séria ameaça, no plano da influência política, ao nível da criação de factos políticos. É que, com a fluidez oratória que lhe é reconhecida, com a facilidade em converter a linguagem técnica e pesada em proposições simplificadas, Marcelo chega às massas, às massas que se distanciam cada vez mais da política. E agrada-lhes porque sabe organizar um raciocínio crítico e sabe como passar a mensagem, dominando todas as técnicas do audiovisual e irritando profundamente os visados (não pela linha argumentativa, bastante mais desenvolvida por Pacheco Pereira, mas sim pela incapacidade revelada em o enfrentar naquele terreno, perante aquela audiência). Assim, num registo deliberadamente popularucho, Marcelo Rebelo de Sousa influenciava inclusive a agenda política e fê-lo durante quatro anos e meio. Não obstante, durante este período, doesse a quem doesse, cada macaco repousava silenciosamente no seu galho...
Não cabem aqui as motivações ou as estratégias do Prof. Marcelo, no entanto, o espaço domingueiro em que opinava era tão legítimo quanto o são as inúmeras colunas de opinião que povoam os nossos jornais. Os princípios são exactamente os mesmos e dependem única e exclusivamente da linha editorial definida pelos órgãos de comunicação social. Neste caso, não é o conteúdo mas sim o canal que está em causa e a sua amplitude de distribuição.
Ao bater com a porta, cujas verdadeiras razões estão ainda por apurar, Marcelo criou o derradeiro facto político e o governo em peso tornou-se um autêntico martelo pneumático a perfurar em terreno lamacento. Perante isto, basta à oposição adoptar uma postura embaraçosamente espectante pois melhor, era difícil.

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