8 de outubro de 2015

Algo mudou com as Eleições Legislativas de 2015

Depois do X Governo Constitucional em 1985, esta é a segunda vez que a maioria parlamentar não coincide ideologicamente com a força política mais votada. Na clivagem clássica entre esquerda e direita, a esquerda ocupa 62% dos 320 lugares do Parlamento. A força política mais votada foi a coligação Portugal à Frente (PàF) com 36,83% dos votos, aos quais se somam 1,5% dos votos alcançados pelo PSD na Madeira. Estes são os factos de partida quando faltam apurar os 4 mandatos dos círculos eleitorais da emigração.


Com 32,38% dos votos, o PS surge como a segunda força política mais votada. Contudo, importa peneirar a conversão de votos em mandatos para relembrar que, desagregando os resultados da coligação, o PS surge com apenas menos um deputado (85) do que o PSD (86).

Esta circunstância vem baralhar os conceitos de maiorias a que estamos habituados fundamentalmente porque há uma maioria de esquerda ideologicamente contrária à força mais votada que, nas palavras proferidas a quente por António Costa na noite eleitoral, se constitui como uma «maioria negativa». Sê-lo-ia se o objectivo consistisse unicamente em excluir ao invés de acrescentar. E aqui entra a bidimensionalidade da coisa, expressa pela possibilidade de alternativas de facto em que todos os partidos com assento parlamentar são suscetíveis de participar e em que as coligações ganham aqui o importante papel que o nosso sistema eleitoral, pluripartidário e proporcional, lhes reserva.

A direita perdeu as eleições em toda a linha. Juntos, PSD e CDS-PP perderam 30 deputados, tiveram menos 738301 votos, ie, menos 26,38% da votação conseguida em 2011. A leitura só pode ser uma e representa uma forte oposição da maioria dos eleitores votantes à política de direita cujas graves consequências socioeconómicas hipotecam o futuro do país e de várias gerações de portugueses.

A fratura essencial que ficou expressa eleitoralmente não tem que ver com o Tratado Orçamental, com a dissolução da União Económica e Monetária nem com a consequente saída do euro. Essas são matérias – na minha opinião referendáveis – que tanto a CDU como o BE defendem para atingir um fim: o crescimento económico sem austeridade centrado numa redistribuição justa da riqueza e na defesa da Constituição. Ora, esse é o fim que o PS também defende ser possível. Sem esquecer a própria renegociação da dívida alvitrada pelo PS, embalado pelo ar refrescante que se fazia soprar da Grécia no início do ano. Em suma, a base de entendimento na esquerda está evidentemente centrada na recusa da austeridade por muito ruído que os partidos de direita e alguns sectores do PS possam fazer em torno na mera possibilidade de convergência de esquerda.

Num primeiro momento, o PS manifestou a sua disponibilidade para viabilizar o governo de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas e de Cavaco Silva. Justifica-o em nome de uma ilusão de estabilidade política que, sabemo-lo, tem um prazo. Mas não deixa de ser curioso notar que a pretensa estabilidade política ferreamente defendida por Cavaco Silva foi também conservada a ferros e à custa de muitos sapos engolidos, alguns irrevogáveis para espanto de todos quantos ainda se espantariam com o espírito utilitarista de Paulo Portas. É um mito, portanto, que a coligação de direita seja garantia de maior estabilidade do que uma qualquer coligação de esquerda, mesmo admitindo todas as tácticas de pura dominação territorial e sobrevivência partidária que caracterizam as farpas lançadas entre os sectores progressistas. Ainda que muitos dos infantes deste imenso tabuleiro não o compreendam, há na política muito para além do lirismo ideológico que por vezes não dominam e até atrapalha.

Toda a gente já percebeu que este é mais um momento histórico que estamos a viver. Quer para a existência do PS porque aqui tem uma oportunidade única de corrigir a amplitude ideológica das últimas décadas quer para o PCP, porque tem aqui uma janela para se afirmar como alternativa credível aos olhos do eleitorado [que até já reconhece essa credibilidade nas autarquias] e libertar-se dos grilhões anticomunistas que tanto jeito dão na hora de agitar o bicho-papão.

A CDU e o BE acrescentaram nestas eleições mais do que o crescimento em votos e em deputados. Deram sequência e conteúdo governativo às reivindicações expressas pelos portugueses, estenderam pontes de diálogo e disponibilizaram as suas forças ao PS para romper com as políticas que atiraram milhões de portugueses para a pobreza. Os seus militantes estarão certamente orgulhosos pelas decisões responsáveis dos seus respetivos líderes em apresentar essa disponibilidade. Só por aí já ficámos todos a ganhar.

Na comunicação que o Presidente da República fez aos portugueses no rescaldo das eleições ficou bem patente a repulsa pelas escolhas democráticas dos eleitores quando, sem surpresas, expressou o único cenário que tem em mente: o chamado bloco central.

Os dados estão lançados.
 
 

 

18 de agosto de 2015

O Nevoeiro Imperscrutável do Combate às Desigualdades Sociais


Nas sociedades desenvolvidas a que cremos julgar pertencer, há um consenso alargado sobre a importância de reduzir as desigualdades sociais, responsáveis por danos amplamente demonstrados e, em muitos casos, irreparáveis. Em Portugal esse percurso tem sido marcado por tímidos avanços e expansivos recuos, valendo-nos um dos piores desempenhos na comparação internacional. Do debate sobre se é o desenvolvimento económico que permite reduzir as desigualdades sociais ou se é o esbatimento das desigualdades sociais que alavanca o desenvolvimento económico, resta muito pouco para além das crenças metafísicas no mercado e na esperança de que seja este a resolver um problema que cabe aos governantes dar resposta. Porque, independentemente da questionável utilidade do debate, ao cidadão interessa saber como pagar as contas ao fim do mês, como dar de comer aos filhos ou, simplesmente, como aceder aos serviços públicos em igualdade de circunstâncias.

Com uma taxa de risco de pobreza na ordem dos 37% da população em 1995, não se compreende como, contrariamente à generalidade dos países desenvolvidos, a referida taxa tenha crescido para 46,9% em 2013. É certo que estes valores são parcialmente atenuados com as transferências sociais, o garante de alguma paz social. Mas não são menos verdadeiros os cortes impiedosos com a argumentação em torno da dívida pública que, por sua vez, aumentou para uns gloriosos 130% do PIB. Vale a pena completar o cenário com a insustentável duplicação do serviço da dívida para 8500 mil milhões de euros anuais em menos de uma década, cenário suficientemente mau para desafiar os opositores à renegociação da dívida, em particular daquela que foi contraída com o propósito de transformar o Estado português num seguro de vida.

Mas é importante não esquecer que as transferências sociais representam um paliativo que nem resolve a assimetria da distribuição de rendimentos do trabalho nem a desigual distribuição de capital. E aqui está o cerne da questão. Detenhamo-nos um instante sobre o peso das remunerações no PIB.

Entre 2000 e 2014, as remunerações desceram de 48% do PIB para 43%. A esta redução do peso dos salários acresce a contracção do PIB, o qual regrediu aos valores de 2000 (na ordem dos 167 mil milhões de euros). Este duplo torniquete sugere que o «ajustamento» que nos tem sido exigido pelos governos e pela designada «troika» está a ser inutilmente feito pelo lado dos salários e jamais pelo lado do capital. Mexer aí é que não! Bom… nem sempre… atendendo à «missão humanitária» de salvação dos vários bancos maus para a qual os bolsos dos portugueses têm sido convocados, acentuando o processo histórico de transferência de capital público para o sector privado nas últimas décadas. Para não falar das inúmeras privatizações de ativos nacionais e das PPP’s que representaram afinal um colossal buraco nas contas do Estado.
 

Num contexto em que a resolução do problema é fundamentalmente política (não podendo ser obviamente deixada aos agentes económicos e à alta finança como até aqui), o combate determinado à precariedade laboral, ao desemprego, à liquidação do tecido produtivo assim como a afirmação de um programa fiscal eficiente mas assente na redistribuição mais justa dos rendimentos, apontam um caminho necessário. Um caminho que não pode depender da política titubeante do costume, à mercê da flexibilidade e dos «equilíbrios» do mercado, aguardando silenciosamente os resultados eleitorais para tomar a decisão sobre o que fazer a seguir. É na recusa destas meias-tintas que se vê o calibre e consistência das propostas porque o exercício da coerência política não está obviamente na mente de todos.

 

21 de julho de 2015

3 de julho de 2015

Circos sem animais em Évora





Repugnam-me, por princípio, todas as formas de maus tratos aos animais nas mais variadas circunstâncias: no adestramento repressivo de instintos, no abandono de animais domésticos, em determinada produção industrial com fins alimentares, nas modificações genéticas com fins duvidosos e tantos outros exemplos. O conhecimento genérico que possuo sobre práticas insanas, nalguns casos hediondas, confronta-me consequentemente com o conhecimento um pouco mais aprofundado que tenho sobre o sofrimento que certos homens e mulheres deste mundo infligem aos seus próprios filhos. Se, na maior parte desses casos o recrudescimento das más condições de vida – desemprego, pobreza – são fatores de risco incontornáveis que as sociedades reproduzem, em outros casos estamos evidentemente a falar de patologias mas, também, de práticas culturalmente internalizadas que variam na dimensão espácio-temporal. Em síntese, por mais objetivos e universais que sejam os direitos consagrados, é prudente estimar a sua efetiva aplicabilidade num determinado lugar e em determinado momento.


Não querendo de modo nenhum tecer comparações simplistas e, sobretudo, injustificar certas causas com o que está por cumprir em outras, importa ainda assim refletir sobre que «ontologia» é esta que coloca os direitos de animais e humanos no mesmo patamar mas que não se desliga de um posicionamento tipicamente tutelar em que a relação com os animais é, em muitos casos, definida pela sua propriedade e comercialização. 

No caso dos circos com animais, repugna-me pensar que o circo A ou o circo B recorra a técnicas cruéis para adestrar um ou mais animais ou os mantém em condições de vida intoleráveis para o padrão da época. Sucede porém que, não acompanhando o quotidiano de todos os circos com animais que deambulam há séculos por esse país fora, é-me vedado o acesso a uma parte da realidade. Este desconhecimento leva-me à seguinte interrogação: é certo e seguro que todos os circos desenvolvam técnicas de adestramento reprováveis e sirvam de igual modo os propósitos do número em que intervém um tigre e um caniche? Estou convencido que o princípio da prudência aconselha a evitar a falácia da generalização ao meter duas dimensões – os circos e os maus tratos – no mesmo saco.

Não obstante a insatisfação expressa publicamente pelos circos tradicionais relativamente às regras em vigor, recordamos que o Decreto-lei n.º 211/2009 e Portaria n.º 1226/2009 – saudados na altura por entidades como o PAN, Associação Animal e Liga Portuguesa para os Direitos do Animal – representam um importante passo para fazer cumprir e aplicar a Convenção CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção) e, a prazo, anunciam o fim da utilização de diversas espécies de animais quer pela identificação das espécies não permitidas quer pela proibição da sua reprodução por entidades como os circos.

Poder-se-ia tratar de uma lei estruturalmente injusta que desrespeitasse os direitos dos animais e não considerasse o lastro cultural ou as consequências materiais que resultariam para os circos, para os profissionais e para os próprios animais se estes fossem retirados aos primeiros. Seria certamente irresponsável se não definisse critérios de fiscalização e não identificasse os responsáveis pela implementação de fiscalização no terreno que, devemos sublinhar, não pode de modo algum ser confundida com a difusão lobista de vídeos deliberadamente chocantes nas redes sociais. Mas não, o suporte legal existente não é só justo como possibilita uma transição gradual cujos efeitos estão a ser complementados pela própria dinâmica da procura crescente de espetáculos de natureza circense sem animais, o designado novo circo que, infelizmente, não tem merecido os apoios públicos que deveria ter enquanto atividade de criação artística.

Por outro lado, subsistem as dúvidas sobre a legitimidade de uma autarquia local vedar o licenciamento a uma atividade cuja regulamentação está fora da órbita das competências municipais. Mas percebe-se que o esclarecimento dessas dúvidas não seja central para os peticionários ou para quem quer retirar vantagens políticas deste assunto, não importando qual a intensidade da demagogia e, nalguns casos, hipocrisia.

Na minha opinião, estamos a discutir uma matéria que em rigor teria que abranger um conjunto alargado de atividades e práticas porque não vivemos numa ilha e porque não há animais apenas nos circos. Ou seja, se o que está em causa é o bem-estar animal, então deveríamos estar a discutir as más práticas na generalidade, aconteçam elas num circo, numa arena ou na privacidade do lar. O que esta recomendação apresentada pelo PS à Assembleia Municipal de Évora vem fazer é tratar o universalismo com o particularismo, sem ter a noção de que seguir-se-ão as touradas que muitos dos seus autarcas, militantes e simpatizantes glorificam e frequentam. Não foi há cerca de 1 mês que S. Manços viu erguido um monumento aos forcados pela respetiva Junta de Freguesia? 

Esta é uma discussão que cabe à Assembleia da República porque este é o órgão competente para alterar aquilo que houver a alterar na legislação em vigor - e nisso terá o meu apoio - em defesa de uma sociedade saudável e responsável.

Para já, há que saudar os responsáveis da iniciativa por colocarem este assunto na agenda política, por denunciarem as condições deploráveis a que certos animais são sujeitos. Mas esperando sobretudo que a lei em vigor seja observada e que as entidades fiscalizadoras disponham dos instrumentos necessários para a fazer cumprir exemplarmente. Tudo o resto se esfumará previsivelmente com uma qualquer providência cautelar interposta por algum circo que, evidentemente tem pouco interesse em viajar com todo o aparato para o Funchal, cidade que decidiu banir os circos com animais.

 

29 de novembro de 2014

A reabilitação do PAEL no matter what


Na sessão de ontem da Assembleia Municipal de Évora, o PS apresentou uma recomendação cujo objectivo expresso consistia em reabilitar o PAEL (memorando da troica dos municípios) e cujo objectivo latente consistia em chumbar todos os documentos de gestão financeira a apresentar pela Câmara Municipal de Évora. 

Atingiu o segundo objectivo porque a CDU votou contra a recomendação. Esta tratou de explicar que até concordaria com parte substantiva da recomendação - a transferência para as PME's e intervenção social dos excedentes fiscais cobrados pela autarquia em virtude do aumento das taxas, impostos e preços determinados pelo PAEL que, de resto, a autarquia já implementou no decurso do corrente ano - mas que jamais se poderia rever em tal reabilitação de um contrato que fere a autonomia dos municípios consagrada constitucionalmente. E cujos juros pagos por um empréstimo em que 2/3 dos 32 milhões de euros se destinaram a pagar dívidas de água à empresa Águas do Centro Alentejo, os quais estão por sua vez a financiar o Estado português à custa das autarquias endividadas (veja-se por aí a bondade da coisa).

Esta tentativa de branqueamento do papel activo que a gestão PS teve quer na ruína financeira do município quer na subscrição do PAEL (ao qual não será politicamente positivo associar António Costa) é politicamente irresponsável e eticamente duvidosa na medida em que pretende colocar sobre a câmara municipal o ónus das obrigações que lhe são impostas pelo PAEL e que se expressam sobretudo pelo agravamento das taxas, impostos e preços pagos pelos eborenses. 

Perante isto, não resta ao PS outra alternativa que não seja votar contra todos os documentos de gestão financeira nas próximas duas décadas, o período de tempo em que vigora o contrato assinado pelo PS para, isso sim, salvar o pouco que restava: não foi a gestão CDU que entregou competências nas águas e saneamento a privados passando a pagar rendas principescas e inclusive a água da chuva à empresa Águas do Centro Alentejo, não foi a CDU que assinou um contrato milionário na concessão dos transportes públicos, não foi a CDU que fez chegar o prazo médio de pagamento a fornecedores perto dos 1000 dias, não foi a CDU que financiou mais-valias às famílias proprietárias da praça de touros, não foi a CDU esfrangalhou os serviços públicos, não foi a CDU que instruiu candidaturas deficientes ao QREN tendo daí resultado penalizações que ascendem a vários millhões de euros, não foi a CDU que ergueu as notas ao vento... Mas é a CDU que tem que resolver o problema.

Haviam alternativas ao PAEL que o PS não curou de aprofundar, haviam alternativas ao sistema multimunicipal de águas que o PS preferiu ignorar a despeito dos interesses privados em abocanhar a suculenta posta das água e do saneamento, haviam alternativas a todos os desfechos ruinosos que o PS não soube estancar mas agora, como se o mundo tivesse começado ontem, a bancada socialista na Assembleia Municipal dá uma demonstração pobre de sentido de responsabilidade e coerência, inviabilizando votações não porque não concorde com os seus fundamentos mas apenas porque não lhe dá jeito que o PAEL venha descrito nas fundamentações das propostas como é de lei. O ultimato foi dado pelo seu chefe de bancada: ou a câmara retira as alusões ao PAEL ou o PS votará contra todas estas propostas.

E neste ponto reside o mais absurdo: ontem, o PS votou contra propostas de fixação de taxas a contrario da posição dos seus dois vereadores na câmara municipal umas semanas antes, apenas porque no texto das mesmas vem descrita a obrigatoriedade de cumprimento do PAEL e porque a CDU não concedeu na pretensão de reabilitar um instrumento contra o qual já se tinha pronunciado desde a Assembleia da República às assembleias municipais. Arrepiou-se caminho para que uma oposição sem argumentos ataque indiscriminadamente uma gestão municipal suficientemente sólida para lutar de mãos nuas com o mesmo vigor em várias frentes em simultâneo, legando cada vez mais o laxismo e frouxidão do anterior executivo para níveis de incompetência estratosférica.

Até poderíamos ser levados a pensar tratar-se de uma reabilitação local do PAEL para atacar as eleições legislativas. Mas também não nos podemos esquecer que as pequenas ilegalidades e traições ao princípio de direito a troco de investimentos caídos do céu são «peanuts» para alguns dos mais destacados dirigentes socialistas pelo que não nos podemos mostrar surpreendidos com a desorientação global que se instalou na sequência dos recentes acontecimentos em torno da detenção de um ex-primeiro-ministro e de um conjunto de pessoas com fortes ligações ao partido.




28 de dezembro de 2013

Orçamento Municipal e Opções do Plano 2014



A Assembleia Municipal de Évora reuniu-se ontem (27/12/2013) para, entre outras matérias, debater e votar dois documentos previsionais fundamentais para a gestão municipal: as Opções do Plano e o Orçamento Municipal para 2014. Dois escassos meses após a tomada de posse pelos novos órgãos eleitos nas últimas eleições autárquicas, cedo de percebeu ao que cada um vinha.

Tal não se deve às habituais tensões e escaramuças entre grupos políticos, motivadas por «inaceitáveis ataques à honra e bom nome» ou pelo fraco empenho intelectual de alguns ou ainda pela imaturidade democrática de outros.

Nesta sessão da Assembleia Municipal de Évora, a revelação ficou a dever-se à toleima do PS em questionar a legalidade do orçamento apresentado pela câmara, nomeadamente em relação ao inflacionamento das receitas, remetendo zelosamente para as regras previsionais do POCAL (Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais) só agora, depois de tantos anos, elevadas a um patamar inultrapassável. Aliás, foi dito que nos outros anos eram desconhecidas essas regras e que, este ano, o PS não poderia validar um documento que as não respeita. Um assombro ético, portanto.

Com efeito, tal como o PS sabe e sempre soube, esse problema nunca se levantou e a Assembleia Municipal lá foi aprovando estes documentos ano após ano com os votos favoráveis dos socialistas. À semelhança dos restantes municípios que tenham dívida a transitar de um ano para o outro (e que apresentem resultados operacionais negativos, como é o caso de Évora), as regras orçamentais exigem que as despesas estejam cabimentadas no orçamento e que, por esse motivo, existam receitas para suportar a despesa. Receitas e despesas têm que apresentar soma zero. Como é bom de ver, o Município de Évora não tem receitas suficientes para suportar a dívida de médio e longo prazo pelo que a transfere para o futuro, incapaz de a pagar no presente. E recorre, com a condescendência das entidades competentes, a um artifício contabilístico que consiste em prever receitas para lá daquilo que é razoavelmente admissível pela análise histórica dos últimos 24 meses. Por uma razão essencialmente técnico-legal. Não outra. E todos sabem que assim é.

Ora, se o POCAL foi criado para monitorizar e disciplinar a contabilidade autárquica com o fito de a manter controlada dentro de limites razoáveis (e fracassou, no caso de Évora), invocando neste caso particular princípios e regras de boas práticas, não é menos verdade que a regra de equivalência de todas as despesas correntes e de capital às receitas é obviamente falaciosa em organizações desequilibradas financeiramente. Ficamos com um dilema para resolver.

A realidade dos orçamentos demonstra o contrário do mundo idílico da teoria e o PS em Évora, mais do que ninguém, tem amplas responsabilidades nesse hiato com um conjunto de opções políticas desatrosas assumidas por um executivo que beneficiou sempre do apoio da concelhia e dos respectivos eleitos no órgão deliberativo. Mas não se coibiu de encenar em plena Assembleia Municipal um pequeno teatro com o objectivo de chumbar o orçamento já que, no âmbito do direito de oposição, teve oportunidade de discutir todos estes assuntos mais de uma semana antes da realização da Assembleia Municipal. Prescindiu desse direito (ao contrário do BE), para montar a festa pretendida na Assembleia.
De resto, para inviabilizar um orçamento que teve a preocupação de integrar todas as dívidas que andavam a circular por fora há anos. A título de exemplo, o orçamento de 2013 mascarou cerca de 10 milhões de euros de dívida que não foi devidamente inscrita, tendo sido prontamente aprovado na altura pelo PS. Sem qualquer peso na consciência. Mais, o orçamento contra o qual o PS votou tem a virtude de ter promovido o decréscimo das receitas artificiais em virtude do esforço operado com a redução de 20 milhões de euros relativamente ao orçamento inicialmente apresentado para o ano que agora termina.

O desconforto da interpelação do PS a este respeito ficou aliás estampado nos rostos e expressões  de alguns eleitos dos diversos grupos políticos na oposição, motivando inclusive um vivo repúdio pelo eleito do BE sobre aquilo que considerou um desrespeito pela ética política.

Com esta interpelação intencionalmente interessada em retirar nada mais do que dividendos políticos de uma forma que em muito fica a dever à conhecida elevação de destacados políticos socialistas, ficaram mais uma vez esquecidos os representados. Com a possibilidade de emendar a mão e reflectindo a posição oficial da bancada, o PS manteve o sentido de voto.

A segunda nota diz respeito a outra interpelação pouco feliz do PS feita pelo político mais experiente dentre os que integram a Assembleia Municipal.
Ao afirmar que as Opções do Plano são estéreis, vazias de conteúdo e que nada mais fazem do que manter as linhas do anterior executivo, ainda que não corresponda à verdade, entrou-se numa contradição juvenil: por dedução, demolir estas Opções do Plano significaria demolir as que foram apresentadas pelo anterior executivo. Talvez não fosse a isso que o «deputado» se estaria a referir...

Em todo o caso, a discordância é perfeitamente justificável. Para além de estas Opções do Plano reflectirem integralmente o Programa de Governo Municipal sufragado recentemente, há aspectos técnicos que são naturalmente ignorados pelo eleito em causa. Com a grande vantagem de estas Opções do Plano serem realistas e honestas, ie, não papagueiam promessas que não se podem cumprir...

Votos de bom ano!

27 de setembro de 2013

A avaliação eleitoral ao executivo CDU foi em 2001 e não em 2013



Infelizmente, as campanhas eleitorais são por vezes pautadas por um ressabiamento que excede as fronteiras da ética e da seriedade que a democracia exige. No caso de Évora, o jornal de candidatura de Manuel Melgão à Câmara Municipal de Évora apresenta um quadro comparativo da obra feita pela actual gestão PS e pela anterior gestão CDU, produzindo um enviesamento intencional. É evidente que as candidaturas se esforçam por focar os aspectos positivos das suas gestões e minimizar os aspectos positivos das candidaturas concorrentes. Mas não será excessivo dizer que há limites para a obliteração e, necessariamente, para a manipulação da informação.

Para não extravasarmos o âmbito do referido quadro comparativo, importa desmontar esse discurso perverso com o reposicionamento da verdade no sítio que lhe compete. Desde logo, aludindo ao conjunto de obras que resultaram de transferências do Estado para as autarquias como em 2008 na área da educação ou, em 2004, do património do Ex-IGAPHE para os municípios, justificações para os «investimentos» feitos na educação e na habitação social. 

A maquinação não fica por aqui. Assumem-se como obras da autarquia, aquelas que resultaram de programas lançados pela Administração Directa do Estado (exemplo da requalificação do parque escolar e edificação de novas escolas), do envolvimento directo do governo (exemplo da Embraer) ou, até, da Associação de Municípios do Distrito de Évora (exemplo da recolha de lixo indiferenciado e selectivo) com a qual, de resto, há um conjunto de compromissos financeiros por cumprir, os quais têm comprometido a relação desta autarquia com as restantes do Distrito. 

A própria requalificação da área envolvente da muralha resulta numa falácia pois, como se sabe, foi apenas executada no primeiro mandato de José Ernesto depois da reivindicação de autarquias como a de Évora que foram inicialmente colocadas à margem do Programa Polis (final da década de 90), precisamente porque não tinham necessidade de reabilitação urbana profunda como a que aquele programa tinha por objectivo.

A estas «realizações» juntam-se os conhecidos «flops» (exemplos do Salão Central e do Estádio Municipal), os investimentos duvidosos (exemplos da Arena de Évora, Évora Moda, Águas do Centro Alentejo, as duas obras contratadas e pagas em simultâneo para a Rotunda das Portas da Rua do Raimundo etc.) e as rupturas ou desleixos: com o Centro Histórico, com os agentes associativos, com a cultura, com as finanças municipais, com o potencial de envolvimento da Universidade de Évora no desenvolvimento regional e, com a própria operacionalidade e capacidade de resposta dos serviços municipais. Entre tantas outras opções políticas cujos benefícios são extremamente duvidosos.

Nestas eleições, perdemos todos uma boa oportunidade para que o actual executivo explicasse aos eborenses o que deixa realmente para a posteridade. De forma séria, de peitos abertos, em vez de se permitir que lacaios seus andem a envenenar as populações rurais com a ideia de a CDU se preparar para fechar sedes das juntas de freguesia unificadas. O disparate não podia ser maior. Feio, feio.
É evidente que todas as gestões têm aspectos positivos e negativos. É elementar.

Contudo, o que está aqui em jogo não são as gestões da CDU antes de 2001, como alguma gente quer fazer crer.  Essas foram avaliadas pelos eleitores oportunamente. Em 2001, claro está. E os eleitores sancionaram a CDU apesar do apoio esmagador que deram durante mais de duas décadas ao Abílio Fernandes. Em suma, o que está aqui a ser avaliado, como prevê a democracia, é a gestão PS na autarquia de Évora. E é sobre essa que os eleitores se vão pronunciar no próximo domingo

Espero que o façam em consciência, embora não possa deixar de me sentir decepcionado por ter que dizer hoje e sempre que, em democracia, não vale tudo.

6 de setembro de 2013

Tribunal Constitucional em defesa da democracia





Depois da clarificação de ontem do Tribunal Constitucional a mais um devaneio irresponsável dos deputados à AR, talvez a campanha eleitoral que se avizinha possa começar a preocupar-se enfim com o essencial. Mas nunca será demais separar algumas águas.

1. À justiça, o que é da justiça, isto é, é às polícias e aos tribunais que cabe a investigação e condenação dos crimes cometidos por políticos no decurso das suas funções que hajam sido provados em tribunal (e não na comunicação social);

2. À democracia, o que é da democracia, isto é, a responsabilização pela credibilização do sistema aos seus actores políticos (incluindo a renovação dos seus agentes e elites pelos partidos políticos) e o livre sufrágio das opções políticas a concurso pelos eleitores, condição constitucionalmente consagrada; além disso, não é a multiplicação de candidaturas independentes nas autárquicas um reflexo das cisões partidárias (por vezes, é certo, com a instrumentalização de novas plataformas partidárias ou cívicas por alguns ressabiados) mas, também, da própria mobilização de cidadãos verdadeiramente independentes constituindo um sinal de consolidação democrática?

3. A César o que é de César, isto é, o fundamental de qualquer lei de limitação de mandatos não deve resultar numa caça às bruxas, ad hominem, quando o que está em causa são órgãos colegiais porque então, a mesma lógica levar-nos-ia a travar o próprio processo democrático, no limite, com a interdição dos próprios partidos em concorrerem (por que razão se limitam indivíduos e não partidos ou qualquer outro tipo de associação política quando estas são, por natureza, constituídas por indivíduos, porventura muito mais agarrados ao imenso poder das estruturas partidárias?), levando-nos pelo caminho do agonismo.

Com todo o respeito e admiração de pessoas que pugnam pela transparência, não é cerceando os princípios democráticos da participação e igualdade política que se ataca o problema. É precisamente ao contrário, estimulando a participação democrática sem menorizar e desvalorizar os eleitores.



Se, ainda assim, for intenção da Assembleia da República a limitação de todos os mandatos, então que os senhores deputados se esforcem mais para oferecer leis decentes e coerentes ao país.