8 de outubro de 2015

Algo mudou com as Eleições Legislativas de 2015

Depois do X Governo Constitucional em 1985, esta é a segunda vez que a maioria parlamentar não coincide ideologicamente com a força política mais votada. Na clivagem clássica entre esquerda e direita, a esquerda ocupa 62% dos 320 lugares do Parlamento. A força política mais votada foi a coligação Portugal à Frente (PàF) com 36,83% dos votos, aos quais se somam 1,5% dos votos alcançados pelo PSD na Madeira. Estes são os factos de partida quando faltam apurar os 4 mandatos dos círculos eleitorais da emigração.


Com 32,38% dos votos, o PS surge como a segunda força política mais votada. Contudo, importa peneirar a conversão de votos em mandatos para relembrar que, desagregando os resultados da coligação, o PS surge com apenas menos um deputado (85) do que o PSD (86).

Esta circunstância vem baralhar os conceitos de maiorias a que estamos habituados fundamentalmente porque há uma maioria de esquerda ideologicamente contrária à força mais votada que, nas palavras proferidas a quente por António Costa na noite eleitoral, se constitui como uma «maioria negativa». Sê-lo-ia se o objectivo consistisse unicamente em excluir ao invés de acrescentar. E aqui entra a bidimensionalidade da coisa, expressa pela possibilidade de alternativas de facto em que todos os partidos com assento parlamentar são suscetíveis de participar e em que as coligações ganham aqui o importante papel que o nosso sistema eleitoral, pluripartidário e proporcional, lhes reserva.

A direita perdeu as eleições em toda a linha. Juntos, PSD e CDS-PP perderam 30 deputados, tiveram menos 738301 votos, ie, menos 26,38% da votação conseguida em 2011. A leitura só pode ser uma e representa uma forte oposição da maioria dos eleitores votantes à política de direita cujas graves consequências socioeconómicas hipotecam o futuro do país e de várias gerações de portugueses.

A fratura essencial que ficou expressa eleitoralmente não tem que ver com o Tratado Orçamental, com a dissolução da União Económica e Monetária nem com a consequente saída do euro. Essas são matérias – na minha opinião referendáveis – que tanto a CDU como o BE defendem para atingir um fim: o crescimento económico sem austeridade centrado numa redistribuição justa da riqueza e na defesa da Constituição. Ora, esse é o fim que o PS também defende ser possível. Sem esquecer a própria renegociação da dívida alvitrada pelo PS, embalado pelo ar refrescante que se fazia soprar da Grécia no início do ano. Em suma, a base de entendimento na esquerda está evidentemente centrada na recusa da austeridade por muito ruído que os partidos de direita e alguns sectores do PS possam fazer em torno na mera possibilidade de convergência de esquerda.

Num primeiro momento, o PS manifestou a sua disponibilidade para viabilizar o governo de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas e de Cavaco Silva. Justifica-o em nome de uma ilusão de estabilidade política que, sabemo-lo, tem um prazo. Mas não deixa de ser curioso notar que a pretensa estabilidade política ferreamente defendida por Cavaco Silva foi também conservada a ferros e à custa de muitos sapos engolidos, alguns irrevogáveis para espanto de todos quantos ainda se espantariam com o espírito utilitarista de Paulo Portas. É um mito, portanto, que a coligação de direita seja garantia de maior estabilidade do que uma qualquer coligação de esquerda, mesmo admitindo todas as tácticas de pura dominação territorial e sobrevivência partidária que caracterizam as farpas lançadas entre os sectores progressistas. Ainda que muitos dos infantes deste imenso tabuleiro não o compreendam, há na política muito para além do lirismo ideológico que por vezes não dominam e até atrapalha.

Toda a gente já percebeu que este é mais um momento histórico que estamos a viver. Quer para a existência do PS porque aqui tem uma oportunidade única de corrigir a amplitude ideológica das últimas décadas quer para o PCP, porque tem aqui uma janela para se afirmar como alternativa credível aos olhos do eleitorado [que até já reconhece essa credibilidade nas autarquias] e libertar-se dos grilhões anticomunistas que tanto jeito dão na hora de agitar o bicho-papão.

A CDU e o BE acrescentaram nestas eleições mais do que o crescimento em votos e em deputados. Deram sequência e conteúdo governativo às reivindicações expressas pelos portugueses, estenderam pontes de diálogo e disponibilizaram as suas forças ao PS para romper com as políticas que atiraram milhões de portugueses para a pobreza. Os seus militantes estarão certamente orgulhosos pelas decisões responsáveis dos seus respetivos líderes em apresentar essa disponibilidade. Só por aí já ficámos todos a ganhar.

Na comunicação que o Presidente da República fez aos portugueses no rescaldo das eleições ficou bem patente a repulsa pelas escolhas democráticas dos eleitores quando, sem surpresas, expressou o único cenário que tem em mente: o chamado bloco central.

Os dados estão lançados.
 
 

 

1 comentário:

Anónimo disse...

«A leitura só pode ser uma e representa uma forte oposição da maioria dos eleitores votantes à política de direita cujas graves consequências socioeconómicas hipotecam o futuro do país e de várias gerações de portugueses.»
Encontro neste trecho uma sucessão de monumentais equívocos:
1-A leitura só pode ser uma?
2-Se a oposição tivesse sido forte, a PaF não teria sido a força mais votada nem teria tido 38% mas sim 28%, 18% ou mesmo 8%.
3-Desde quando desipotecar piora o futuro?