31 de outubro de 2008

O Povo é?!

Eugène Delacroix, La Liberté guidant le peuple, 1830

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«O Povo unido jamais será vencido», é uma daquelas palavras de ordem utilizadas em todo o mundo e popularizadas – justamente – pela esquerda. Não me vou aqui referir ao povo enquanto entidade abstracta configurada pela ideia de nacionalidade: «o povo português, o povo angolano».

De resto, ou muito me engano ou nesta fórmula está contido um apelo à arregimentação dos mais fracos oprimidos pelas minorias dominantes. Portanto, numa primeira apreciação, temos o pressuposto da dominação que se articula com o critério da desproporcionalidade quantitativa, ie, uma maioria dominada por uma minoria.

Antes da Revolução Francesa, a divisão da sociedade em classes era mais clara. A estratificação social assentava, grosso modo, num critério dúplice: as actividades a que se dedicavam os indivíduos e a proximidade com Deus. Assim, regra geral, havia a nobreza, o clero e o povo (ou 3º Estado, se a memória não me falha, a despeito das aulas de história que vi perderem-se pelo cano da imaturidade…). Mais tarde havia também de aparecer a burguesia. Sem prejuízo para as restantes distinções – alta e baixa nobreza, o clero regular e o secular, a alta e a baixa burguesia – as classes sociais eram muito bem definidas. Sem embargo, «o Povo» era «o Povo». Ponto. Mais ou menos miserável, mas «Povo».

A estrutura social vir-se-ia a modificar e a transformar também o critério de distinção de algo tão difícil de analisar pela sociologia, como é o caso das classes sociais. Desta feita, o critério distintivo passa a assentar no status social e na posse de capital. Daí, a divisão em classe alta, média ou baixa.

Contudo… impõe-se a questão: quem é, afinal, o «Povo»?

Dada a amálgama social em que se vê actualmente o «Povo», a prolixa questão motiva uma resposta dos nossos tempos: complexa e ambígua!

Na Alemanha de Hitler, o «Povo» era a generalidade da população que o elegeu, apoiou e seguiu numa viagem de loucura colectiva, desenraizada de valores sociais básicos. Em Israel, o «Povo» diz ser eleito e diz ser um digno representante de uma geração vergonhosamente massacrada por outro «Povo». O «Povo» que elegeu George Bush é o mesmo que se prepara para eleger Barack Obama.
Tenho algumas dúvidas quanto ao seguinte exemplo. Nunca sei muito bem se o «Povo» norte coreano (enquadrado por um sistema político «popular»), vive na miséria ou na opulência, em liberdade ou em clausura. Há sempre muitas versões que se contradizem. Por fim, o «Povo» hutu é aquele que foi responsável pela chacina de, crê-se, cerca de 1 milhão de tutsis no Ruanda, em 1994.

Perante isto, deixo uma advertência: ponderem sempre muito bem na escolha do lado do «Povo» em que se quer estar. Os hutus uniram-se e, realmente, não foram vencidos. Tal como os sans-culottes que seguem a senhora de mamas ao léu com a bandeira francesa empunhada numa mão e a baioneta na outra.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu estou sempre do lado dos oprimidos, dos pobres, dos miseráveis, dos loucos, dos poetas, dos excluidos, dos perdidos, dos rebeldes, dos revolucionários, dos que estão no ou perto do abismo.

Anónimo disse...

"O povo" são os que vão pagar os prejuizos dos banqueiros

Anónimo disse...

É o povo que elege o presidente dos eua?
Nos eua foram os tribunais que elegeram bush

ARV disse...

Tal como em Portugal, quando há dúvidas sobre a viabilidade de uma norma produzida pela Assembleia da República, recorre-se ao Tribunal Constitucional ou ao Tribunal Administrativo, nos EUA houve necessidade de esclarecer o processo da conversão de votos em mandatos no estado da Florida.

Se tal acontecer em Portugal, a Comissão Nacional de Eleições é o organismo competente para esclarecer a situação, sem prejuízo para as competências reservadas aos tribunais, como é evidente.

Anónimo disse...

As eleições nos eua que elegeram bush foram uma autêntica fantochada