19 de maio de 2010

«O [meu] mundo mudou em 15 dias»

É natural que os governos tenham necessidade de proceder a reajustes motivados por alterações macroeconómicas nos cenários de actuação inicialmente previstos. O facto de José Sócrates sossegar – em período de campanha eleitoral – os portugueses com a intenção de manter os impostos inalterados não constitui uma perda irreparável nem escapa ao domínio das intenções políticas. As melhores e as piores. Mesmo se os sinais do que aí vinha indiciavam para variados economistas muito mais do as sequelas da crise de 2007: «a crise ainda estaria por chegar», alertavam muitos desses «arautos da desgraça». Com razão.

Mas dizer que o “mundo mudou” em quinze dias só pode pertencer ao plano da estultícia. E de uma estultícia “perigosa”, nas palavras de Nuno Morais Sarmento (PSD), ao ser potenciada pela convicção colocada pela personalidade egocêntrica do primeiro-ministro.

Independentemente de todas as polémicas e suspeitas que recaem sobre José Sócrates mas que, até ao momento, não se emanciparam da esfera política nem condicionam particularmente a acção do governo (mesmo minoritário), o estilo comunicativo do XVIII governo constitucional tem sido marcado por um deslindar do segredo à boa maneira eclesiástica, isto é, depois dos factos serem tornados públicos (e.g. segredos de Fátima).

Foi este excessivo zelo pela preservação dos segredos (ou ocultação dos factos aos tolos) que justificou um estratégico e gradual processo de endurecimento das medidas de combate à crise numa tentativa de controlo social: primeiro com as medidas de contenção previstas na primeira versão do PEC, entre as quais a redução de benefícios fiscais e a tributação de 45% dos rendimentos superiores a 150 000 euros; depois, com o aumento do IVA, o aumento da tributação em sede de IRS para todos os escalões (1% e 1,5%), as portagens das SCUT, a diminuição das prestações sociais, etc.

É possível que, para breve, venha a retenção parcial ou total de subsídios de férias ou natal e outras medidas duras que, convenhamos, dificilmente passarão pela tributação justa da banca, pela tributação das transacções financeiras ou por um plano de choque contra a corrupção. Porque se ao primeiro-ministro «não falta coragem» para cumprir com as suas responsabilidades quando se trata do povinho, já o mesmo não se poderá dizer de quando é a alta finança que está em causa. Aparentemente, aqui e em toda a Europa, diga-se de passagem...

O mundo não mudou em quinze dias. O que mudou em quinze dias foi a posição pública do governo que, só pressionado – pelo presidente da república, por Nicolas Sarkozy (no Conselho da Europa), pelas agências de rating, pelos recados de Angela Merkel e por inúmeras personalidades nacionais – é que decidiu adiar alguns dos grandes investimentos e tornar públicas as medidas que, ou já tinham sido decididas previamente ou, tendo sido decididas no momento, revelam cegueira e prepotência. Os avisos multiplicavam-se e, evidentemente, para um país com uma estrutura económica débil, eram para ser imediatamente tomados em conta.

Ontem, Nuno Morais Sarmento não andaria muito longe da verdade quando, no frente-a-frente transmitido na SIC Notícias – em que cilindrou um Francisco Assis despido de argumentos – justificou o fraco compromisso do governo na redução da despesa com a ausência de um pensamento estratégico que lhe permitisse fazer cortes sem pôr serviços públicos em risco. E, neste momento, creio que da esquerda à direita, já toda a gente percebeu que a política dos défices altos estourou, sendo inadmissível continuar a aumentar o endividamento público a taxas de juro asfixiantes, mesmo entendendo os benefícios que a liquidez proporcionada pela comparticipação comunitária traria ao país.

Teria ou não o governo percebido isso? A direita, por aproveitamento político (e alguma ideologia no que respeita ao investimento público) e a esquerda do PS, por definição ideológica, já tinham entendido!

A generalidade dos portugueses vai entendendo, em resultado da progressiva deterioração da qualidade de vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Que fazem os portugueses ao serem roubados pelo governo? Choramingam ao vizinho do lado.

Pelo mundo foram, desde os espanhóis aos gregos, é vê-los em manifestações pelas ruas, gritando, reivindicando e lutando.

Por cá o marasmo do costume.

Pergunto-me quanto é o limite do governo roubar mais, para que os portugueses reagam?