16 de junho de 2010

Sebastianismo «futebolês»

Há dias, Manuel Sérgio, um dos expoentes máximos da investigação em motricidade humana, afirmava que o futebol é hoje o grande mobilizador de pessoas a uma escala global e representa um dos principais redutos da identidade nacional quando está em causa a selecção nacional de futebol. As manifestações de portugalidade durante o Euro 2004 bem como a agregação de diferentes pessoas (de norte a sul do país, novos e velhos, homens e mulheres, ricos e pobres) em torno de um fenómeno como o futebol são, porventura, dignos exemplos da ideia defendida por Manuel Sérgio. E por outros, convenhamos.

A escassas horas do dèbut de Portugal no Campeonato do Mundo frente à selecção da Costa do Marfim, tais manifestações de portugalidade eram muito tímidas e pouco comparáveis a um passado recente: não há bandeiras nos automóveis nem nos parapeitos das janelas, não se vêem pessoas a envergar a camisola da selecção. Quanto muito ouve-se aqui e além o insuportável ruído das vuvuzelas, certamente motivado por razões de marketing e pueril subversão. E, apesar de toda a encenação montada em torno de uma música parola dos Black Eyed Peas ou daquela «simbólica» e pretensiosa despedida dos «navegadores» no Parque Eduardo VII (monarca inglês), esta selecção de futebol jamais foi capaz de suscitar junto dos portugueses aquela paixão irracional e arrebatadora que inunda as ruas e praças portuguesas de cor, confiança e alguma pateguice.

A excepção é constituída pelos que se encontram na África do Sul, cujo apego é quiçá motivado pela saudade nuns casos e pela nostalgia das raízes lusas, noutros casos. Aliás, o estágio na Covilhã que precedeu a partida para o continente africano representou uma hipótese de redenção pela campanha sofrível de apuramento para o Mundial mas cedo se percebeu que Queiroz e o resto da entourage são incapazes de se dar a futilidades e de pôr pessoas vulgares a comportar-se como macacos adestrados: futebol queirosiano é de régua e esquadro e não admite a presença de elementos estranhos.

É evidente que o apuramento angustiante desmobilizou a generalidade dos portugueses. E, em rigor, o futebol desagradável e pouco eficaz de Queiroz teve continuidade nos jogos de preparação com adversários frágeis (Cabo Verde, Moçambique, Camarões). Sem coesão, sem brilhantismo, sem objectividade e pouco sistematizado, o futebol de Queiroz está a anos-luz do futebol pouco vistoso mas eficaz e bem trabalhado de Scolari, para quem a equipa é claramente um exército cujo objectivo é esmagar o adversário.

Mesmo não querendo, as comparações em matérias como estas são inevitáveis e Queiroz é nauseado pelo estigma associado à condição de substituto: Scolari não continuou à frente da selecção porque não quis depois de ter levado a equipa nacional à final de um campeonato europeu e às meias-finais de um campeonato do mundo (protagonizou inclusive aquele episódio lamentável do anúncio do contrato com o Chelsea em pleno campeonato).

Tinha melhores jogadores? Talvez. Apesar de, por exemplo, Pauleta nunca ter sido um avançado especialmente produtivo em fases finais… mas o mérito de os pôr a jogar e de lhes incutir uma confiança sem par não pode pertencer certamente aos desígnios e desejos de cada um enquanto individualidade. Esse é um mérito que cabe ao técnico, por muita vontade que Ronaldo tenha em se afirmar como um dos mais notáveis futebolistas de sempre. Mourinho prova-o em todas as equipas que treina e, por exemplo, Eriksson também o provou ontem à frente do conjunto de estrelas que compõem a equipa marfinense. Por seu turno, sem estrelas, a Coreia do Norte deu ontem muito trabalho ao todo poderoso Brasil, perdendo pela margem mínima…

Vamos lá… tirando o trabalho notável com gaiatos que culminou na conquista de dois campeonatos mundiais de juniores, a carreira profissional de Queiroz com adultos foi pouco mais do que medíocre (sem resultados na selecção A na década de 90 e no Sporting; igualmente precária a sua passagem à frente da selecção da África do Sul). A nota positiva: Queiroz foi o melhor adjunto de Alex Fergunson no Manchester United

Após o jogo com a Costa do Marfim – táctico, é verdade, mas pouco encorajador, enfadonho, mal jogado e sem que os jogadores exibissem um fio de jogo identificável – as fragilidades e falta de qualidade da equipa tornaram-se ainda mais claras. E as do grupo também: a dispensa e consequente crítica de Nani, a substituição mal engolida por Deco e outras demonstrações públicas de desagrado.

Nunca manifestei especiais simpatias por Felipe Scolari. Pelo contrário. Contudo, lançando mão do adágio tradicional, só se dá valor às coisas quando já não as temos... É essa bidimensionalidade da existência que nos permite avaliar, por comparação, duas realidades distintas. Para mim, «as coisas» não são as bandeiras nem o espalhafato. É sim, um bom jogo de futebol em que, pelo menos, a produção de adrenalina aumente durante duas ou três horas e resgate os comuns do torpor quotidiano (nem todos somos o alpinista João Garcia ou o vaiado José Sócrates). Scolari teve o mérito de mobilizar um povo inteiro em torno de um projecto/sonho comum. Seja tal projecto mais ou menos importante para a afirmação de Portugal no mundo e para a afirmação das bolsas dos portugueses. Mas fê-lo.

Mesmo que vença este Campeonato do Mundo, Queiroz não é O homem. Historicamente, no caso português, até apetece dizer que «santos da casa não fazem milagres... a não ser que esse treinador seja o inominável...

2 comentários:

Anónimo disse...

alguma pateguice? (É pouco)
um povo inteiro? (É muito)

São as únicas críticas ao artigo.

abraço, simas

Anónimo disse...

apesar de não deixar memórias, carlos queiroz também passou alguns meses no real madrid.