18 de agosto de 2015

O Nevoeiro Imperscrutável do Combate às Desigualdades Sociais


Nas sociedades desenvolvidas a que cremos julgar pertencer, há um consenso alargado sobre a importância de reduzir as desigualdades sociais, responsáveis por danos amplamente demonstrados e, em muitos casos, irreparáveis. Em Portugal esse percurso tem sido marcado por tímidos avanços e expansivos recuos, valendo-nos um dos piores desempenhos na comparação internacional. Do debate sobre se é o desenvolvimento económico que permite reduzir as desigualdades sociais ou se é o esbatimento das desigualdades sociais que alavanca o desenvolvimento económico, resta muito pouco para além das crenças metafísicas no mercado e na esperança de que seja este a resolver um problema que cabe aos governantes dar resposta. Porque, independentemente da questionável utilidade do debate, ao cidadão interessa saber como pagar as contas ao fim do mês, como dar de comer aos filhos ou, simplesmente, como aceder aos serviços públicos em igualdade de circunstâncias.

Com uma taxa de risco de pobreza na ordem dos 37% da população em 1995, não se compreende como, contrariamente à generalidade dos países desenvolvidos, a referida taxa tenha crescido para 46,9% em 2013. É certo que estes valores são parcialmente atenuados com as transferências sociais, o garante de alguma paz social. Mas não são menos verdadeiros os cortes impiedosos com a argumentação em torno da dívida pública que, por sua vez, aumentou para uns gloriosos 130% do PIB. Vale a pena completar o cenário com a insustentável duplicação do serviço da dívida para 8500 mil milhões de euros anuais em menos de uma década, cenário suficientemente mau para desafiar os opositores à renegociação da dívida, em particular daquela que foi contraída com o propósito de transformar o Estado português num seguro de vida.

Mas é importante não esquecer que as transferências sociais representam um paliativo que nem resolve a assimetria da distribuição de rendimentos do trabalho nem a desigual distribuição de capital. E aqui está o cerne da questão. Detenhamo-nos um instante sobre o peso das remunerações no PIB.

Entre 2000 e 2014, as remunerações desceram de 48% do PIB para 43%. A esta redução do peso dos salários acresce a contracção do PIB, o qual regrediu aos valores de 2000 (na ordem dos 167 mil milhões de euros). Este duplo torniquete sugere que o «ajustamento» que nos tem sido exigido pelos governos e pela designada «troika» está a ser inutilmente feito pelo lado dos salários e jamais pelo lado do capital. Mexer aí é que não! Bom… nem sempre… atendendo à «missão humanitária» de salvação dos vários bancos maus para a qual os bolsos dos portugueses têm sido convocados, acentuando o processo histórico de transferência de capital público para o sector privado nas últimas décadas. Para não falar das inúmeras privatizações de ativos nacionais e das PPP’s que representaram afinal um colossal buraco nas contas do Estado.
 

Num contexto em que a resolução do problema é fundamentalmente política (não podendo ser obviamente deixada aos agentes económicos e à alta finança como até aqui), o combate determinado à precariedade laboral, ao desemprego, à liquidação do tecido produtivo assim como a afirmação de um programa fiscal eficiente mas assente na redistribuição mais justa dos rendimentos, apontam um caminho necessário. Um caminho que não pode depender da política titubeante do costume, à mercê da flexibilidade e dos «equilíbrios» do mercado, aguardando silenciosamente os resultados eleitorais para tomar a decisão sobre o que fazer a seguir. É na recusa destas meias-tintas que se vê o calibre e consistência das propostas porque o exercício da coerência política não está obviamente na mente de todos.

 

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