Nas
sociedades desenvolvidas a que cremos julgar pertencer, há um consenso alargado
sobre a importância de reduzir as desigualdades sociais, responsáveis por danos
amplamente demonstrados e, em muitos casos, irreparáveis. Em Portugal esse percurso
tem sido marcado por tímidos avanços e expansivos recuos, valendo-nos um dos
piores desempenhos na comparação internacional. Do debate sobre se é o
desenvolvimento económico que permite reduzir as desigualdades sociais ou se é o
esbatimento das desigualdades sociais que alavanca o desenvolvimento económico,
resta muito pouco para além das crenças metafísicas no mercado e na esperança
de que seja este a resolver um problema que cabe aos governantes dar resposta. Porque,
independentemente da questionável utilidade do debate, ao cidadão interessa
saber como pagar as contas ao fim do mês, como dar de comer aos filhos ou,
simplesmente, como aceder aos serviços públicos em igualdade de circunstâncias.
Com uma taxa
de risco de pobreza na ordem dos 37% da população em 1995, não se compreende
como, contrariamente à generalidade dos países desenvolvidos, a referida taxa
tenha crescido para 46,9% em 2013. É certo que estes valores são parcialmente
atenuados com as transferências sociais, o garante de alguma paz social. Mas
não são menos verdadeiros os cortes impiedosos com a argumentação em torno da dívida
pública que, por sua vez, aumentou para uns gloriosos
130% do PIB. Vale a pena completar o cenário com a insustentável duplicação do
serviço da dívida para 8500 mil milhões de euros anuais em menos de uma década,
cenário suficientemente mau para desafiar os opositores à renegociação da
dívida, em particular daquela que foi contraída com o propósito de transformar
o Estado português num seguro de vida.
Mas é
importante não esquecer que as transferências sociais representam um paliativo
que nem resolve a assimetria da distribuição de rendimentos do trabalho nem a
desigual distribuição de capital. E aqui está o cerne da questão. Detenhamo-nos
um instante sobre o peso das remunerações no PIB.
Entre 2000 e 2014, as
remunerações desceram de 48% do PIB para 43%. A esta redução do peso dos
salários acresce a contracção do PIB, o qual regrediu aos valores de 2000 (na ordem
dos 167 mil milhões de euros). Este duplo torniquete sugere que o «ajustamento»
que nos tem sido exigido pelos governos e pela designada «troika» está a ser
inutilmente feito pelo lado dos salários e jamais pelo lado do capital. Mexer
aí é que não! Bom… nem sempre… atendendo à «missão humanitária» de salvação dos
vários bancos maus para a qual os
bolsos dos portugueses têm sido convocados, acentuando o processo histórico de
transferência de capital público para o sector privado nas últimas décadas. Para
não falar das inúmeras privatizações de ativos nacionais e das PPP’s que representaram
afinal um colossal buraco nas contas do Estado.
Num contexto em que a resolução do
problema é fundamentalmente política (não podendo ser obviamente deixada aos
agentes económicos e à alta finança como até aqui), o combate determinado à
precariedade laboral, ao desemprego, à liquidação do tecido produtivo assim
como a afirmação de um programa fiscal eficiente mas assente na redistribuição
mais justa dos rendimentos, apontam um caminho necessário. Um caminho que não pode
depender da política titubeante do costume, à mercê da flexibilidade e dos
«equilíbrios» do mercado, aguardando silenciosamente os resultados eleitorais
para tomar a decisão sobre o que fazer a seguir. É na recusa destas
meias-tintas que se vê o calibre e consistência das propostas porque o
exercício da coerência política não está obviamente na mente de todos.
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