10 de outubro de 2004

em de-talhe



DEIXEM JOGAR A MALTA!

Após mais uma (...) prestação da selecção de futebol, agora diante do poderoso Liechtenstein, eis que de novo surgem os inevitáveis comentadores de futebol que vociferam a sua ira contra os nossos campeões. Os mesmos, note-se, a quem invariavelmente se beijam os pés quando sabe a vitória. É certo que aqueles tipinhos com a cabeça nos pés, que se dão ares de importantes; que ganham bom dinheiro; que combinam uma calça de tirilene da boss com uma camisa de seda côr-de-rosa da armani - resguardando a tatuagem sioux logo abaixo do pescoço - e coleccionam «espirituosas» babes em robustos bólides descapotáveis; e que são solicitados para de tudo fazer diante das câmaras, em género do habitual biscate popular; são enfim, expostos à mais impia inveja. O que é desagradável. E tudo por apenas fazerem o que gostam mas tal agravo não me parece razão para tanto, já que de oiro não são feitos (embora se perceba que deles precisam como pão para a boca essa corja que lhe gira na órbita).
Não se percebe pois, porquê tanta indignação, tanta exaltação, uma vez que uma observação menos apaixonada conclui que, casualmente ou não (nem me interessa), com Scolari, o futebol praticado pela selecção é feioso, sensaborão e infindavelmente embrulhado. É usança antiga dizer que com o tempo, os animais da quinta se acostumam ao manageiro...
Mas são duas as excepções encontradas a este registo, a esta forma muito peculiar de jogar mas que não têm que ver senão com as próprias características dos adversários em causa e com o contexto: de acordo com a cartilha de um bem documentado Gabriel Alves, temos o particular com o Brasil, uma equipa simbólicamente forte, irrepreensível técnica e tacticamente, cujo balanceamento natural para o ataque, levou Portugal a sentir a necessidade de se retratar ante tão poderoso adversário (queríamos mostrar que também somos capazes de semelhantes façanhas); e com Inglaterra no Europeu caseiro, tendo os insulares feito os «infantes» portugueses correr e correr muito, em infindável estopada para os de sua Alteza que no final já nem atinavam com o buraco do frango. Ou seja, dois adversários que, pelo seu estilo de jogo e pelas circunstâncias (necessidade de afirmação e emancipação ante irmãos desavindos e aliados com alforges do tamanho de Portugal), matizaram o jogo de Portugal e não o contrário.
Por isso mesmo, sempre que se pede aos partidários das quinas para conduzir o jogo... «xiiii patrão»... Confesso que não raras vezes adormeço, quando vejo alguns dos jogos. Aliás, tive oportunidade de ver o jogo em Leiria, com a Estónia (ou seria a Letónia?) e, só por vergonha não cabeceei um ou dois ombros ali mesmo... Mas também, seja reposta a verdade das coisas, pois se era para dormir tinha ficado em casa, porque obrigado ali não fui.

Assim, temos uma equipa de qualidade inferior (apesar do valor técnico e comercial de cada jogador, dizem as calendas gregas que para equipa não basta ter um conjunto de pessoas, há que lhe ajuntar massa consistente), com um tipo de jogo pobre, embora com o intenso brilho que só uma constelação pode providenciar.
Acresce a preocupante falta de alternativas. Em 2004, jogamos 3 vezes com a Grécia e só conseguimos empatar o primeiro, em Portugal, jogando eles durante grande parte do tempo com 10. Nos restantes, o desfecho é conhecido... Há que admirar a persistencia táctica, a irreverência, o não prescindir de valores ancestrais nem ceder a pressões originadas na mais profunda ignorância. Repito, eles é que lá sabem do seu ofício, como vós sabereis do vosso...

Em suma, face ao que está, nem sequer podemos falar em desilusão porque a quem mais não sabe, a mais não é acometido. O raciocínio argumentativo é semelhante a este: nós, cá na terra, jogamos andebol de muito má qualidade, mas como as mazelas e os ténis são por nossa conta, as 13 ou 14 pessoas que lá vão também não protestam connosco; preferem protestar com os gajos vestidos de preto (pois os não vão ver mais nenhuma vez durante largos tempos), despejando todas as frustações que se acumulam durante a vida no trabalho, com os filhos, com os futebóis e o homem das farturas.
Com aquele tipo de atitude característico dos raçudos da bola vai-se a nenhures, e quando tudo somado - jornalistas + cheiro a cavalo - o resultado é ainda menos honroso. Por vezes, até dá pena ver pessoas naqueles preparos... Com a mesma destreza com se lá vai, com que se liga a televisão, também é possível ir a outro lado ou mudar de canal. O desporto agradece. O Liechtenstein também. Bravos demais para amadores... ou não?
Eu, da minha parte, sempre tive simpatia pelos Davids quando encaram com os Golias deste mundo, que só por serem grandes têm a mania que têm o rei na barriga. E depois... lixam-se!

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