A POESIA BÉLICA
A respeito do post em que sugeria uma leitura sobre a problemática do «Estado-Guerra», replicou-me um bom amigo, afirmando que «o escape para isso é a poesia», despedindo-se com uma provocação, que passo a transcrever: «se não fosse a guerra, teríamos conseguido manter o nosso estilo de vidinha que tanto prezamos? Para os anti-americanos mais extremistas, recordam-se do Holocausto? Os gajos ajudaram-nos ou a memória só é longa para certas coisas?».
É uma provocação interessante com uma argumentação válida, a que não resisto reagir, semeando mais provocações.
Sem considerar aquilo que pode ser entendido como estratégias geo-políticas (que as havia na década de 40, como as há desde tempos imemoriais, matizando ab origine as lutas individuais, entre clãs, comunidades ou povos), definidas por interesses muito concretos, creio no entanto que poderemos encontrar razões muito específicas que terão ditado a intervenção dos americanos, antes e depois.
A guerra preventiva podia ter sido desenvolvida durante a década de 30 e assim ter impedido o chamado holocausto (referimo-nos ao judeu ou ao infligido aos russos, no mesmo período?), no entanto, é sabido que não foi essa razão que mobilizou os EUA. Arrisco a afirmar que foram os japoneses, alinhados no Eixo, quem decidiu primeiramente os destinos da guerra ao atacar sem pré-aviso Pearl Harbour. Parvos! Posteriormente, a permanência de tropas americanas durante décadas em quase todos os países europeus (através da NATO) e em particular na RFA serviu, à semelhança dos nossos dias, para consolidar a democracia e impedir o alastramento do comunismo. Julgo ser pacifico aquele dito popular que diz ser «em tempo de guerra que se faz fortuna». Convém não esquecer que é do alinhamento das duas guerras que os EUA emergem como potência mundial, destronando inclusive o Reino Unido do seu pedestal imperial. Até ao início do século XX, os EUA eram uma potência... em potência.
Mas, muito mais importante, o conceito de guerra era entendido como uma perturbação da paz, no normal funcionamento das coisas e por isso, a sua aceitação - pelos povos decentes - era vista como a derradeira hipótese a considerar, o recurso último. Claro que os povos com ímpetos expansionistas viam a guerra como a legitima forma de alcançar os seus objectivos mas assumiam-no... Apesar de as relações internacionais continuarem num patamar de desenvolvimento inferior às relações nacionais, a guerra era, ainda assim, associada à destruição, à perda inútil de vidas humanas, ao sofrimento. Não haviam segundas interpretações.
Actualmente, alguns estados parecem comportar-se de modo diverso, antecipando potenciais perigos. Nesse caso, a guerra funciona como um escudo protector, verdade? Sucede, porém que a incoerência é estranha se compararmos, por exemplo, Timor com o Iraque, ou se pensarmos em casos recentes como o Ruanda, o Sudão, a Birmânia, etc. Nesta asserção, concordamos certamente que não serão as razões humanitárias ou políticas (alastramento dos valores da democracia) que justificam a intervenção. Não são agora como não terão sido antes... Serão outras, certamente.
Vamos então ao terrorismo. Sem entrar em discussões sobre quais as motivações dos terroristas ou se têm razões para tal, admitamos duas formas de defesa: a «doméstica», em nossa casa ou a «missionária», na casa dos terroristas. Parece ser esta a opção escolhida pelos EUA. Se a ETA colocar uma bomba na 5th avenue, bombardeamos Espanha? Não, porque este país é aliado dos EUA. Israel é um aliado dos americanos, assim como o foram o Afeganistão, Chile (do mesmíssimo Pinochet, cujos métodos não distam na forma dos de Hitler ou Estaline), a Espanha de Franco, Portugal de Salazar, Indonésia de Suharto, Zaire de Mobutu, Iraque de Saddam e até, a dada altura, a União Soviética de Estaline - tudo bons rapazes... Significa isto que as alianças são circunstânciais e mais uma vez, os motivos humanitários... Aliás, toda a intervenção americana na América Latina, em África e na Ásia teve mais que ver com motivos geo-políticos do que humanitários.
O voluntarismo do povo americano é realmente notável, não obstante, serão as causas justas, aquelas que determinam um bombardeamento ou a invasão com tropas? A guerra sempre foi um bom motor económico mas será que as suas consequências o justificam? Não esqueçamos que os EUA detêm o monopólio do mercado do armamento e este é tão só o negócio lícito mais lucrativo...
Devo confessar que, na altura em que os americanos interviram no Kosovo, fui um dos que se manifestaram a favor. Apenas e somente por motivos humanitários, para se acabar com aquela sangria. Era urgente impedir tal genocídio, como aliás o sancionaram e aprovaram as Nações Unidas. Ali era possível intervir dessa forma, como se veio a confirmar mais tarde. Da mesma forma, justificar-se-iam intervenções no Ruanda, na Birmânia, na China, na Coreia do Norte, na Palestina, no Haiti ou na Madeira.
Sim, de facto o nosso modo de vida deve muito às guerras e à depredação dos recursos dos outros, sem dúvida. No entanto, não creio que seja necessário à Europa fazer guerras por todo o lado para poder explorar e parasitar os recursos dos outros. Mas essa é outra questão.
Reconheço, sem hesitar, o papel crucial que os EUA tiveram no desenlace da guerra de 1939-45, todavia, não posso confundir a acção nesse domínio com as acções a que nos começam a habituar desde que assumiram o monopólio de um partido único mundial. Nesse caso, a arrogância americana (tomando decisões à revelia da ONU), transforma a democracia de George Washington, Thomas Jefferson e de Abraham Lincoln numa vulgar oligarquia totalitária.
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