9 de novembro de 2004

em de-talhe




PRAXES
Segundo parece, subsistem ainda muitos lugares ermos do Portugal onde principios e direitos fundamentais não são conhecidos, onde nem uma pedrinha lá entra... Falo evidentemente da surpresa manifestada pela Sr.ª Directora da Escola Superior Agrária de Santarém, por o Ministério Público ter avançado - naturalmente - com a acusação de sete «alunos» por supostamente terem torturado uma caloira.
Este espanto revela o Portugal atrasado, mesquinho, irresponsável e selvático em que vivemos. À ditosa senhora, bastaria uma pena de suspensão de 15 dias (!) aos alunos envolvidos, como as suas questionáveis competências incluissem a magistratura. Ocorre-me pensar se será 1º de Abril ou se haverá alguma câmara escondida que apanha a minha expressão de pasmo, mesmo em cheio. Refaço as caras, recapitulo e concluo que não, que não existem câmaras nem é dia das mentiras, é mesmo verdade, estas coisas acontecem neste país.
A senhora directora agiu como se não houvesse um aparelho legislativo em Portugal (como de resto, muitos fazem...), ignorando compulsivamente e pelos motivos mais estapafúrdios (tradição e integração), se não mesmo débeis mentalmente, as leis fundamentais como a Constituição da República Portuguesa ou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A sua primeira medida, à eclosão de qualquer caso semelhante de natureza criminal, seria necessariamente remeter o processo para os tribunais, sem prejuízo para as averiguações internas.
Será que esta gente, na sua medíocre e miserável existência, já teve alguma vez contacto com noções básicas de cidadania, direitos, liberdades, garantias?
Bom, antes de mais, aproveito para invocar a lei fundamental, recorrendo por exemplo aos artigos 25º, 26º e 27º do II Título (Direitos, Liberdades e Garantias), I Capítulo (Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais),os quais se destinam a garantir direitos invioláveis de ordem pessoal. Mais, já em 1975, o legislador considerava a inaptidão geral dos portugueses para compreender um texto, levando-o a simplificar a redacção a pontos de até o macaco Adriano o conseguir interpretar e compreender. Entre certos alunos e professores universitários, inexplicavelmente e contra todas as previsões alicerçadas na teoria da evolução, tal não sucede.
É impressionante que ainda se verifiquem estes comportamentos boçais, aquela autoridade pedante, disfarçada por sórdidas frustações, aquela histeria cobardemente colectiva. Todo aquele condicionamento implícito, corroendo expectativas, minando quase sempre a dignidade de qualquer ser humano. Impressiona particularmente o deserto cívico e intelectual de professores e alunos que reproduzem a mediocridade e a irracionalidade que se respira em demasiados meios académicos.
Ao Ministério Público não restaria, jamais e em tempo algum, outra alternativa que não fosse a formalização da acusação. O problema está na mania que têm estes tipos - docentes e alunos - em pensarem que são alguém com capas, batinas e turbantes, e que o ecletismo está em ter uma pedra que geração após geração passa de cú em cú. A pedra do saber... A responsabilidade está em quem faz e também em quem consente, é claro; dos cús de ontem para os cús de amanhã. Assim foi a escravatura, assim é o racismo e o sistema de castas na India: «não sabemos porquê, sempre foi assim» ou «eu também passei por isso e não me fez mal nenhum». Se a primeira proposição é reveladora do maior sentido acrítico e nesse caso, contraditório à ideia de universitas, a segunda proposição celebra a vingança e a punição de um acto primordial projectada em terceiros.
Vivendo num Estado de Direito, todo e qualquer tipo de comportamento desse género, não só é inaceitável como passa a ser necessariamente assunto de tribunais; as competências académicas são imediatamente ultrapassadas nesta matéria. É isto que as pessoas devem interiorizar, assumindo a razão como um recurso a explorar e não um peso a largar. As leis têm uma hierarquia, sendo os regulamentos internos de uma universidade a última e mais baixa instância antes da selvajaria.
Quem, na sua consciência, de acordo com a sua vontade e sem estar condicionado pelo sonho dos pais em vê-lo «dr.» ou pela ameaça de ostracismo, pretenda ainda assim, abraçar a actividade de «bobo», então nesse caso, até se pode auto-mutilar, sem que isso cause qualquer tipo de indignação para a sociedade. Afinal de contas, a tropa bem que fazia bem a tanta gente... Mas era a tropa de há 25 anos atrás... Aí é que se pode mandar à vontade e ser mandado, seviciar à vontade do freguez até reduzir o outro à triste condição de rato laboratorial. E admito perfeitamente que haja quem sonhe e se realize com fazer figuras de estúpido perante uma plateia de gentalha estupidificada. Cada um com a sua, mas que seja ele próprio a decidir sem «ajudas do público ou de um amigo». Afinal, partimos do princípio que para as universidades não vão pessoas em fase de absoluta menoridade intelectual.
Com toda a honestidade, Não espanta nada uma punição exemplar para actos deste género que ocorrem em circuntâncias análogas a qualquer tentativa de violação, agressões, injúrias ou difamações. Há que aprender a viver em sociedade, com outras pessoas, segundo regras bem definidas e fazer uso da razão, pelo menos algumas vezes na vida.
Ajuda sempre:
Constituição da República Portuguesa:
Declaração Universal dos Direitos do Homem:
PS: Aqui, no sitio onde trabalho, se me aparecer algum a pedir para ser praxado, pode ter a certeza que lhe satisfarei o desejo! E aí, será um homem/mulher íntegro(a) e integrado(a) no serviço...

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