DIA EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DA ESTRADA
Foi ontem assinalado em Évora, o dia em memória das vítimas da estrada. O que acontece diariamente não pode cair no esquecimento, por isso, acções como esta são essenciais para que as pessoas se detenham, por um só momento que seja.
Não é escusado falar do que todos sabem e cansados de saber: estamos perante uma carnificina anual superior a muitas guerras, como tem sido dito. Mais, por menos mortes na guerra colonial, uma revolução foi posta em marcha e um regime derrubado (pelo menos naquele dia de Abril, em que foram os militares quem saiu à rua).
Também não é escusado falar da falta de civismo dos condutores portugueses (e não só), para os quais, um automóvel pode ser convertido em tudo, sobretudo quando manuseado com a mesma irracionalidade que leva um indivíduo embriagado a afrontar um touro de 600 kg em campo aberto ou a mesmissíma alienação que me poderá entreter horas a atirar pedras para um charco de água.
Não é escusado falar da falta de civismo, das coimas, do consumo de alcool, da potência dos automóveis, da inadaptação do código da estrada, do desinvestimento na sensibilização, da engenharia das estradas portuguesas e a manutenção das mesmas, enfim do terror. Não é escusado. Por isso, são poucas as iniciativas desta índole.
Mas, também não é de modo nenhum escusado falar da responsabilidade do Estado perante os seus cidadãos, nomeadamente no que respeita à promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, assim como à garantia de segurança.
Ora, é neste campo que o Estado falha redondamente ao permitir a construção de estradas deficientes, tecnicamente mal desenhadas e por empreiteiros impreparados. Quanto a fiscalizações... A isso não é alheio o facto de, mesmo no que a esta matéria diz respeito, a segurança não surgir como o principal critério de avaliação na adjudicação da obra. Mesmo nesta matéria, continuamos a ver o nepotismo, o favorecimento e o interminável guarda-chuva da «proposta economicamente mais vantajosa» como principais impulsionadores para a selecção.
Falhando aqui, o Estado falha igualmente na manutenção das via rodoviárias. Para além de gastarmos inutilmente com estádios de futebol, exposições, submarinos, carnavais e circos, acontecimentos de show off próprios de políticos betos, institutos da propaganda e inúmeras empresas cuja personalidade jurídica é tão híbrida como um hovercraft (...), torna-se claro que o desinvestimento em áreas como a segurança, saúde e educação é apenas uma circunstância normal num país que aceita passivamente os devaneios dos outros.
Mas não é só aqui que todos nós falhamos. Temos hoje milhões de veículos automóveis a circular nas estradas portuguesas, não só devido à promoção da ideologia da emancipação como também em resultado do desinvestimento nos transportes colectivos. E para isso, não basta criar infraestruturas, é preciso promover mecanismos que levem as pessoas a abandonar o automóvel. Não é por acaso que até há dois anos atrás, o aumento de emissões de gazes com efeitos de estufa responsáveis pelo aquecimento global, «evoluia a um ritmo superior a 40 por cento, em grande parte justificado pelo uso intensivo do transporte individual, sobretudo em Lisboa e Porto» (Público de 20 de Novembro). E continuamos com o problema de ter um país assimétrico, no qual, investir no interior significa mais ou menos o mesmo que gastar dinheiro em Espanha. Não são os TGV's que vão resolver problemas estruturais de mobilidade nem os incontáveis créditos automóveis.
Falhamos também nas alternativas na própria circulação rodoviária. Só num país desta linhagem se pagam portagens em vias cuja alternativa pode significar a morte. Grande parte das autoestradas portuguesas não é uma alternativa, é o único meio mais ou menos seguro que os portugueses podem utilizar sem correr o risco de chocar com alguém de frente que entre em despiste, dispondo de piso razoável e fruto de uma concepção minimamente científica. Basta pensar em estradas como a N1, a N125, o IP4, etc., etc.
As responsabilidades do Estado são enormes, logo as nossas reponsabilidades são enormes, enquanto cidadãos com plenos direitos na definição daquilo que é o interesse nacional, naquilo que é a orientação das políticas públicas. É a nossa segurança, é o nosso bem-estar que está em jogo e, eu estou farto de ver pessoas desaparecerem, assim, sem mais, porque naquele momento foram estúpidas, encontraram um estúpido pela frente, baixaram a guarda ou simplesmente porque tiveram azar...
Por isso, acções como a de ontem devem ser repetidas até à exaustão e mostrar aos políticos e aos portugueses ao que todos estamos expostos, de cada vez que dobramos uma curva.
Sem comentários:
Enviar um comentário