Creation of the world, Bosh, 1504-10
DEMOCRACIA E SEMI-PRESIDENCIALISMO
Após o sólido, coerente e sóbrio discurso do Presidente da República ao país, o discurso que tardava, cumpriu-se o necessário processo que finaliza com a dissolução da Assembleia da República. Às razões conhecidas, Sampaio ainda acrescentou as razões que lhe foram chegando nos últimos dias, as quais contribuiram para legitimar a decisão tomada. Não era possível ao governo mergulhar mais no pantâno.
Se havia uma questão potencialmente delicada ela foi categoricamente solucionada. Com efeito, entre dissolver a Assembleia ou aceitar a demissão do governo, optou Sampaio pelo uso da primeira prerrogativa que os poderes presidenciais prevêm, justificando-o com o facto de não existirem já nos partidos da coligação, as condições necessárias para nomeação de novo governo. Numa frase, as alternativas estão «esgotadas». Na minha opinião pessoal, as alternativas estavam esgotadas em Julho, quando Durão decide avançar em desespero com Santana Lopes. O percurso político de Santana Lopes fala por si e se no campo de batalha é um exímio guerreiro já em tempo de paz deixa morrer na miséria os seus correlegionários...
Adicionalmente, neste caso em concreto não era possível desenvolver uma magistratura de influência do tipo «soarista» porque a deteriorização era produzida no seio do próprio governo. E continuou, mesmo depois do anúncio primeiro da dissolução.
Com a revisão constitucional de 1982 foi eliminado o Conselho de Revolução, a legitimidade castrense de que o sistema era investido foi substituída pela legitimidade democrática e os poderes presidenciais foram substancialmente reduzidos, dando corpo a um regime semi-presidencialista que nem é puro nem rígido. Acontece porém que resultou, e Sampaio fez um uso correcto dos instrumentos que dispõe, exigindo com este acto maior responsabilidade aos partidos políticos que doravante deverão estar mais atentos e mais responsáveis.
Vigilante deverá continuar a sociedade civil, cuja acção contribuiu igualmente para a decisão de Jorge Sampaio. Afinal, o seu cargo é o único na democracia portuguesa em que a legitimidade provém do facto de ter sido directamente sufragado pelos eleitores portugueses. Não podia por isso ser insensível ao que a sociedade civil reclamava. É também disto que é feita a democracia.
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