8 de fevereiro de 2005

Entre Évora e Leiria: esclarecimentos eleitoriais

Com o aproximar do dia 20 de Fevereiro, data marcada para as eleições legislativas, cumpre tecer algumas considerações que permitam esclarecer de algum modo os excelsos (e)leitores quanto à utilidade do seu voto num sistema representativo como o nosso. Assim, este texto não é destinado aos «eruditos» mas sim a todos quantos desejam diminuir angústias e desfazer algumas das tradicionais confusões que se levantam em matéria de eleições e representação democrática. Advertimos desde já, para a condução despretensiosa do texto, tanto política como cientificamente.

Recorremos a dois casos concretos que permitirão exemplificar como se processa a distribuição de mandatos: Évora e Leiria nas legislativas de 2002.

Mas antes de analisarmos aqueles aspectos mais práticos, importa clarificar um punhado de princípios básicos, nos quais assenta, grosso modo, o nosso sistema eleitoral.

1. Em primeiro lugar, convém recordar que, nas legislativas, cada um de nós vota para eleger deputados à Assembleia da República e não para eleger um Primeiro-Ministro ou um Governo. É o Presidente da República quem nomeia um governo, após proposta da Assembleia da República.

2. O nosso sistema é proporcional, ie, visa garantir a representação das várias sensibilidades político-ideológicas existentes na sociedade. Por isso, em tese, é um sistema pluripartidário, apesar de no nosso caso assumir diversas vertentes (ver Sartori), que sem embargo o dão efectivamente próximo do bipartidarismo.
3. O voto de um conimbricense não se destina ao «bolo» nacional. Esse voto conta apenas dentro do distrito em causa e contribuirá para eleger ou não, um candidato por esse distrito.

4. Os distritos do país coincidem territorialmente com os círculos eleitorais, que no caso português, são plurinominais. Quer isto dizer que em cada distrito (ou circulo plurinominal) pode ser eleito mais do que um deputado, variando conforme a dimensão do círculo. Essa dimensão é expressa em razão do número de eleitores. No caso de Lisboa por exemplo (o maior círculo eleitoral), são eleitos 48 deputados em função dos cerca de 1 800 000 eleitores residentes nesse distrito.

5. Em ordem a converter votos em mandatos, o sistema eleitoral português recorre ao método de Hondt (método da média mais alta), o qual, apesar de tender a beneficiar subliminarmente os maiores partidos, visa garantir a proporcionalidade e o natural acesso de várias forças políticas ao poder.
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Depois deste esgotante preâmbulo, passemos à visualização prática da distribuição de mandatos em Évora e Leiria, dois círculos eleitorais de pequena e média dimensão, respectivamente.

Évora, com aproximadamente 146 000 eleitores tem direito a eleger 3 deputados, os quais ficaram em 2002 equitativamente distribuídos por PS, PPD-PSD e CDU. Acontece porém que o PS ficou a uns escassos 371 votos de eleger um 2º deputado. Neste caso, teria sido o malogrado Lino de Carvalho (CDU) que não teria conseguido a eleição, caso tivesse registado menos 371 votos (na contabilização directa de votos entre PS e CDU). O PPD-PSD elegeu confortavelmente 1 deputado, com mais 3 208 votos que a CDU.

Quanto ao CDS-PP e BE, só teriam tido hipótese de eleger um deputado caso o distrito de Évora elegesse 18 deputados, no caso do primeiro, e 51, no caso do segundo. Ou seja, só ao 51º deputado é que o BE conseguiria eleger um deputado por Évora, mercê dos seus magros 1 611 votos e do cálculo relativo ao método de Hondt.

Por Leiria são eleitos 10 deputados, em virtude dos cerca de 385 000 eleitores do distrito. Em 2002, o PPD-PSD elegeu 6, o PS garantiu 3 e o CDS-PP viu 1 candidato eleito. A disputa pelo 10º e último deputado não foi cerrada, tendo o PPD-PSD eleito esse deputado com mais 2 606 votos que PS. Por fim, neste caso, a CDU precisaria que por Leiria fossem eleitos 21 candidatos e o BE conseguiria eleger 1 deputado se fossem 40, os lugares em concurso no distrito.
O caso de Leiria é particularmente interessante devido à sua estrutura produtiva. Sendo um distrito com forte densidade industrial (dos cimentos da Maceira, passando pelos moldes da Marinha Grande, até às indústrias de rações, etc.), não deixa de ser curioso que a CDU seja a 4ª força mais votada, com menos de metade dos votos da 3ª força mais votada. Os tempos do proletariado urbano já lá vão…
Em contrapartida, o BE parece encontrar menos obstáculos em Leiria por duas razões objectivas: menor peso da CDU do que no Alentejo; maior percentagem de população urbana. E sem contar com a maior dimensão deste círculo eleitoral, aumentando a probabilidade de eleger deputados (são 10 em Leiria e apenas 3 em Évora).
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Em suma, quer num, quer no outro caso, os votos nos partidos que não elegerem quaisquer deputados poderão ser votos «desperdiçados» a menos que a motivação seja exclusivamente ideológica ou estratégica (dar força para eleições posteriores).
De resto, sem entrar em generalizações abusivas, os partidos pequenos só conseguem eleger deputados em: 1) grandes círculos eleitorais; 2) onde exista uma apreciável dimensão em termos de cultura urbana, juvenil e pós-materialista (BE) ou estejam implantados historicamente (casos do CDS-PP no Centro Norte e CDU no Centro Sul); 3) em circunstâncias específicas ditadas por votos de protesto ou abstenção eleitoral.

Os dois casos ilustram bem como o método de Hondt não favorece tanto os pequenos partidos como os grandes: caso a proporcionalidade fosse directa, em Leiria, o PPD-PSD teria direito a 5 e não 6 deputados porque a percentagem de votos rondou precisamente os 50% e haveria 1 deputado a ser «repartido» entre BE e CDU.
Finalmente e perante a actual conjuntura política, não surpreende que em Évora o PS venha a eleger 2 deputados, legando a disputa pelo 3º a Abílio Fernandes e Maria João Bustorff (com aparente vantagem do comunista). No caso leiriense, é crível que a luta se dê quase exclusivamente entre PPD-PSD e PS, com os socialistas em boa posição para equilibrarem as contas num dos 4 distritos portugueses (mais R.A. Madeira) com maioria «laranja» nas últimas eleições para o Parlamento Europeu.
PS: mas pelo número de deputados por círculo tambem é possível ver como é profundamente injusta a sua distribuição: em Leiria existe em teoria 1 deputado por cada 38.391 eleitores; em Évora, cada representante na Assembleia da República tem «a seu cargo» 48.780 eleitores.
É assim, a nossa proporcionalidade e discriminação positiva das regiões mais desfavorecidas, as quais redundam num favorecimento evidente aos maiores partidos e ao litoral.

3 comentários:

ARV disse...

Ainda bem, senhor Bandido, que considera o caminho que tomo como sendo bom.

Só não compreendo a sua obsessão com as minhas opções... Terá o senhor, porventura, algum interesse escondido?

Apenas lhe posso dizer que não conheço meios-homens ou outras figuras fantásticas do imaginário humano ou da mitologia clássica, logo, os compartimentos «ideológicos» em que tenta arrumar os outros não fazem qualquer sentido para mim.

ARV disse...

Claro que sim... nem foi minha intenção tratá-los como duas entidades mutuamente exclusivas. Aliás, que melhor produto do imaginário humano e totalmente fora da antiguidade clássica, do que esse enclave fantasiado por Exa.? E que, quanto muito, podemos classificar como distopia?

Anónimo disse...

estive a ver o teu blog e a questão das eleições, está bastante bem explicado, como dizes numa óptica didáctica. Naturalmente que eu estava a par da maior parte do assunto, mas há sempre uma ou outra coisa que me passava, sobretudo informações mundanas, como o facto de o Abílio ser o cabeça de lista CDU por Évora, não tinha a menor ideia.

Quanto a um aspecto que falas já na parte final do texto, onde referes que os votos nos partidos que não elegem deputados podem ser vistos como 'desperdiçados', comento-te que isso obviamente me faz lembrar o apelo fútil ao voto chamado 'útil', algo que apesar de tudo, por questão de princípio, eu considero uma falácia:

O voto é sempre útil. Se votas num partido que não vai ter representação parlamentar, também é útil. É útil à democracia, porque estás a contribuir, ainda que de forma limitada, mas efectiva, para a pluralização da vida política. Significando aumento da participação cívica e ampliação do espectro político-partidário, o voto tem sempre um carácter qualitativo de enriquecimento e utilidade para a democracia.

VOu ver se o comment se afixa no teu blog também. Alexei

(não intervenho na discussão precedente, como é óbvio)