7 de fevereiro de 2005

Gémeos falsos

Há uns dias, enquanto deambulava num site de um conhecido jornal desportivo, apercebi-me das cogitações emocionadas do jornalista, que conjecturava sobre a utilização no próximo jogo do Benfica, de dois centrais brasileiros de grande porte: Luisão e André Luís. Para isso, o mesmo jornalista não enjeitou referir-se metaforicamente aos dois, como sendo as «Torres Gémeas».
Apesar da comparação infeliz, até do ponto de vista simbólico (condenadas a cair...), os comentadores do canal televisivo que transmitiu o jogo do Benfica com a Académica, nunca abdicaram de se referir aos jogadores centrais do Benfica pela mesma designação: «não passa pelas torres gémeas», «as torres gémeas limpam a área», etc., etc.
Acontece que ontem, havia uma torre mais gémea que a outra. Um dos jogadores era efectivamente o Luisão - brasileiro, 1,92m, negro (as características de André Luís são exactamente iguais às enunciadas no caso de Luisão). Sem embargo, a outra torre era a dar para o mirrado (sem qualquer demérito desportivo) e descolorado: chama-se Ricardo Rocha, português, 1,83, branco. Os comentadores foram simplesmente invadidos por uma terminologia que papagueavam mecânicamente, sem se deterem por um só momento no respectivo significado.
Que estes tipos estão sempre a meter os pés pelas mãos, não é novidade. Aliás, o desempenho do comentador de ontem é demonstrativo de alguma irracionalidade que se estende, de resto, um pouco por toda a classe jornalística actual, devedora em termos de brio profissional, afogada em notícias inúteis. Não raciocinam enquanto fazem comentários, enquanto entrevistam alguém e muitas vezes, na própria edição de peças ou alinhamento editorial. Tudo se passa na maior irresponsabilidade onde o que conta é vender.
Escandaliza, porque se trata da mesma classe profissional que, através de um médium privilegiado, mobiliza multidões frenéticas, cria factos de diversa índole, despoleta processos judiciais, influencia a economia, «depõe» governantes e fá-lo, por vezes, dentro da maior leviandade que se possa imaginar.
E só quem por lá passou pode pronunciar-se sobre esta irresponsabilidade em toda a sua extensão. Alguns continuam a bater-se lá no interior por valores e éticas, e desses, poucos são os que não estão recostados numa incómoda prateleira. A grande parte, responde a impulsos fisiológicos e pouco mais...

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