1 de fevereiro de 2005

No país do Bate & Foge

Após Santana Lopes se ter supostamente pronunciado sobre a vida privada de Sócrates, naquilo que constituíria um infeliz e desonesto comentário sobre a sexualidade do seu adversário, eis que surge agora o mesmo Santana, com aquele ar infeliz, sério e agora também, ofendido, desmentir quaisquer insinuações sobre as opções sexuais de Sócrates que pudessem emergir do seu discurso em Braga, perante um par de centenas de mulheres histéricas prestes a chegar à menopausa.
Este modus operandi, distante da expontâneidade, não é de resto novidade. Supostamente «no calor do debate», Francisco Louçã também se permitiu tecer comentários de índole moral conservadora a respeito de Paulo Portas, quando lhe disse «que só quem tem filhos se pode pronunciar sobre o aborto». Mas, depois de verificar o repúdio pela comunicação social e até pela opinião pública, também já veio a público recuar na afirmação.
Repare-se como estes não são meros casos isolados. Rui Gomes da Silva também é adepto do bate e foge, e demonstrou-o inequívocamente com a sua tese da cabala contra o governo, para se seguida a desmentir.
Os exemplos são imensos e parecem denunciar uma nova técnica política. Diariamente somos confrontados com políticos que opinam, avaliam o impacto e, caso necessário, recuam. É a técnica do bate e foge aplicada à política e tratada nos mais clássicos compêndios de teoria política. Manda-se uma posta de pescada ao ar a ver se pega.
Esta técnica decorre normalmente em duas fases:
1. Vitimização mediática, a qual, subrepticiamente, implica um ataque. Aí, o indivíduo aplica o movimento Bate;
2. Esta fase nem sempre tem lugar. O indivíduo aguarda as reacções ao seu primeiro movimento, e consoante as mesmas, recorre ao segundo movimento: Foge, enquanto apaga as luzes.
Mas entretanto, os boatos e rumores entram em circulação nos circuitos voyeurs, alastrando intencionalmente a toda a sociedade e inculcando-se nas representações que esta faz dos sujeitos e circunstâncias. Os mitos urbanos sucedem por vezes a partir de processos semelhantes.
Mas esta linha de actuação insinuosa e delatora, denuncia por outra parte, toda a falta de escrúpulos e conteúdo naqueles que são os representantes do povo, a quem não deverá interessar minimamente se o Sócrates é gay, se o Portas é macho ou se o Barnabé é diferente dos outros.
As questões fundamentais continuam a ser escamoteadas por líderes e partidos políticos, mais concentrados em denegrir os oponentes do que apresentar propostas credíveis que tirem este país do lodo em que ajudaram a meter. Assim não vamos lá.

1 comentário:

ARV disse...

Pois é, caro Bandido... será que as alternativas o são, verdadeiramente? E se o são, como é que o demonstram? Não nos podemos esquecer que a actual legislatura tem o governo mais à direita desde os tempos de Marcello Caetano e que a reconfiguração do espectro político nacional nos apresenta um PS a ocupar uma parcela do espaço político tradicional do centro-direita. Não há um vazio político na direita por ocupar.
Quanto muito, existe um espaço político vago à esquerda, nomeadamente entre PS e PCP, pese embora o facto de cada vez mais os conceitos de esquerda e direita tenderem a diluir-se naquilo que Bernard Manin denomina «Democracia do Público» nos sistemas de representação democrática (depois da representação de notáveis e da representação assente no sistema de partidos).