22 de fevereiro de 2005

Sinopses eleitorais

A vitória do PS era previsível, anunciada, exigida e, na medida exactamente inversa, a derrota do PSD não era menos esperada. Só faltavam os números, os quais, não só foram retumbantes como também esclarecedores. E este último ponto é o mais importante. Foram esclarecedores porque representam em minha opinião, mais do que uma oportunidade à esquerda, uma rejeição inequívoca da direita. Isso é claro. A esquerda contabiliza até agora (ainda faltam apurar os 4 deputados dos 2 círculos da emigração) 61,7% dos deputados apurados (226 dos 230 deputados), ficando a muito pouco de uma maioria qualificada no parlamento, a qual romperia finalmente com a hegemonia partilhada do PSD e PS em questões estruturais, cuja alteração carece do compromisso de dois terços dos deputados. A vitória é, naturalmente, dos portugueses.

Em segundo lugar, travando todas as tendências abstencionistas, os eleitores portugueses inverteram uma tendência que se começou a fazer notar com preocupação a partir de meados da década de 80. E este é talvez o segundo facto com maior interesse nas eleições de dia 20. Os altos níveis de abstenção, seja em democracias consolidadas ou recentes, são talvez o principal indicador de natureza legal que comprova e alimenta a crise das instituições políticas e do modelo democrático. A participação convencional assim como a heterodoxa, são imprescindíveis para a qualidade das democracias.

Para além da vitória do PS, importa salientar o extraordinário desempenho do BE e surpreendente volte face da CDU. Pessoalmente, já lhes tinham dado a extrema unção. Enganei-me, pelo menos por agora. Também beneficiaram da deriva à esquerda, apesar de, dos três partidos, talvez tenha sido o BE quem mais trabalhou para ela.
Portas esteve bem, assumindo as responsabilidades. Santana… igual a si próprio, já a pensar com o sangue na guelra, no seguinte devaneio, cujos danos colaterais ainda não suspeitamos. Cavaco, em particular, está na mira.

Falava-se hoje do Presidente da República, que viu a sua decisão ser comprovada pelo povo. Continuo sem concordar com o timing das suas decisões, e justifico-o apelando à deserção política de um Primeiro-Ministro mandatado pelo povo português e ao qual não deu cavaco (em posts anteriores pode ser seguida a restante linha de argumentação, que aqui não vou repetir). Pura ambição pessoal e nisso, é farinha proveniente do mesmo saco onde desencantaram Santana. Se Sampaio o fez por amor ao PS, é condenável. O certo é que abriu um grave precedente porque a Dissolução da Assembleia, ainda que debaixo da capa do «normal funcionamento das instituições», foi decidida no nebuloso âmbito da subjectiva avaliação de «falta de credibilidade» de um governo… Foi essa a sua vaga explicação, que redundou num enormíssimo torcer de nariz nacional. E sem embargo, já sonhávamos com esse dia 30 de Novembro...

Finalmente, o Cavaquistão caiu. Alarmante a natureza leiriense… Como previra em Esclarecimentos Eleitorais – entre Évora e Leiria, naquele distrito do centro, a luta iria disputar-se por um deputado: PS ganhou 1 e PSD perdeu 1 (em relação a 2002). Quanto ao BE, também se verificou a sua maior votação relativamente à CDU (mais 1 ponto percentual), incapaz de chegar aos imensos operários fabris do distrito de Leiria.
Em Évora, muito mais previsível, com a única dúvida que restava a ser desfeita em favor da CDU. Ainda assim, é curioso notar como o candidato comunista, antigo Presidente da Câmara de Évora, deve a sua eleição a concelhos rurais do distrito e não no concelho de Évora, ao qual presidiu durante 25 anos.

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