De cada vez que vou a Lisboa, ocorre-me sempre pensar como a sua dinâmica parasitária conduz o interior a um processo agonístico, sem que o mesmo tenha sequer passado pela natural reacção ao potlach empreendido pela «megalópole». A periferia definha, numa dança triplamente agoniante em torno do(s) centro(s): o primeiro e primordial é Lisboa, a Grande; o segundo centro é a faixa litoral centro-norte; e a terceira ideia de centro surge numa escala infimamente mais reduzida, com a emergência de pitorescas e atrevidas cidades como Évora, Covilhã ou Viseu, que lutam em simultâneo pela sobrevivência e pela sua afirmação regional.
Pequenos centros como este terceiro nível, provocam exactamente o mesmo esgotamento da periferia, embora com o peso na consciência de um irmão do meio que dá um açoite no mais novo, imediatamente depois de a mão do mais velho de todos se ter estatelado ruidosamente na sua cara.
Passou-se o mesmo em Roma, há 21, 22 séculos, no auge da sua magnitude, com o esvaziamento de todas as praças que sucumbiam à sua força centrífuga. «A Roma o que é de Roma», ou seja, tudo!
Conta-se que o antigo testamento é escrito como forma de reacção dos judeus ao jugo dos babilónios, que incapazes de os controlar, resolveram recrutá-los à força para o centro. Aqui está implícita a ideia do controlo, para além da ideia de grandeza anteriormente associada ao Império Romano.
Tal como nesses tempos, as periferias locais e regionais são esvaziadas de massa crítica e de população que não pode aguentar a assimétrica condição, demasiadas vezes motivadas pela sobrevivência fisiológica. A pressão para o abandono é evidente e nalguns casos, inevitável. Com ela, a desistência! A desistência pelo cansaço e a desistência pelo deslumbramento.
Curiosamente, a ideia de centro está desde sempre associada ao Estado liberal, como uma entidade perfeita, justa e omnipotente em que qualquer ponto da periferia é-lhe equidistante e por isso, todas as relações entre ambos são fluidas e funcionais, sem vantagens diferenciais. Num plano religioso, a ideia de Deus é-lhe equivalente, em particular nas religiões cujo denominador comum é Abraão.
Assim, em escalas diferentes, a cartografia nacional do desenvolvimento obedece à prosaica lei da oferta e da procura, agudizada por um lado, pela demissão do Estado do seu papel regulador, e por outro pelo favorecimento do centro a partir das suas próprias dinâmicas internas, que se vão criando e recriando. Um circulo vicioso, uma pescadinha de rabo na boca a crescer sem termo num exíguo alguidar.
Mas há outra coisa que me ocorre, sempre que me desloco a Lisboa. Se não houvesse poder local (com todas as virtudes e vícios que cada Executivo possa contaminar para o interior da instituição), só existiriam, em bom rigor, duas cidades em Portugal, Lisboa e Porto, que continuariam os eternos arrufos, esses sim, provincianamente rivalistas: «eu sou melhor do que tu» e «não, não, eu é que sou a capital».
E tudo o resto seria, no assombroso dizer do obtuso lisboeta comum, «uma imensa paisagem». Talvez subsistissem algumas bolsas de população aqui e ali, justificadas pelo seu interesse arqueológico ou estratégico (para enterrar lixo ou para passar um fim-de-semana exótico). É esse o caminho que seguimos, uma vez mais, contrariamente a todas as tendências dos nossos primos europeus, «aqueles que tiveram sorte na vida»...
Na verdade, nunca pude compreender para que precisa Lisboa de uma Câmara Municipal, quando tem o Terreiro do Paço só para si. E por isso, é-me sempre estranho conceber um país equilibrado, com igualdade de oportunidades, igualdade de acessos e o mais importante, solidário nas suas formas de relacionamento.
Se não somos assim no plano interno, porque razão e com que legitimidade havemos de reclamar dos primos europeus a sua solidariedade através de mais fundos de coesão, distribuídos sem lei nem roque como se tivessem sido produto de um saque?
Se não somos assim no plano interno, porque razão e com que legitimidade havemos de reclamar dos primos europeus a sua solidariedade através de mais fundos de coesão, distribuídos sem lei nem roque como se tivessem sido produto de um saque?
1 comentário:
Olá Alexandre, querido amigo.
às vezes (mais do que seria de esperar, seguramente) surpreendo-me com a similaridade dos pontos de vista que temos em comum sobre tantos aspectos da vida e do pensamento.
Sobre esta questão da macrocefalia que padece o nosso incauto país natal, protagonizada por Lisboa, tenho andando a fazer campanha oral aqui pelas terras de Barcelona, e, realmente, a minha perspectiva é bastante aparentada com a tua.
O meu ódio, porém, contra o que Lisboa representa, é mais profundo que o teu, porque ao ter vivido oito anos nessa cidade convivi de perto com a ignorância dos seus nativos, que não sabem distinguir Évora de Aveiro, e para quem realmente a equidistância não existe: se vives em Coimbra, ir a Lisboa são SÓ duas horas de viagem; para quem vive em Lisboa a questão põe-se de outra forma: Coimbra fica a duas LONGAS horas de viagem. É uma distância simbólica.
Em todo o caso, a existência da Câmara Municipal de Lisboa justifica-se - justamente - por motivos de pragmática de Estado: servem como lugar de estágio para os futuros magistrados da nação (vide Sampaio, Santana Lopes...).
Pergunto-me de donde virá esta proximidade que partilhamos nas nossas vidências - seguramente algo terá que ver com as nossas vivências. Até logo, Alexandre também.
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