8 de março de 2005

à tout propos (147)

Apesar de manter enormes dúvidas quanto à instauração de «dias internacionais» de qualquer coisa - e apesar também de reconhecer que essa foi infelizmente a melhor forma encontrada para dar visibilidade a algumas questões específicas - hoje comemora-se o Dia Internacional da Mulher.
Para mim, torna-se claro que a utilidade deste dia é pouco maior que a de uma panela de pressão para fazer chá. Bom, na verdade, devo dizer que gozei de um período da tarde calmo e produtivo porque o Big deu dispensa às fêmeas e assim imperou o silêncio. Cada uma terá gozado a sua tarde como bem entendeu, tornando clara a afirmação de um dia especial, para pessoas especiais.
Entretanto, numa conferência em Lisboa, ninguém dispensou Maria João Avillez que se pôs aos pulos a questionar a audiência se alguma mulher neste país tomaria a decisão do Ex-primeiro-Ministro Durão Barroso, e se assumiria um cargo com tanto desgaste familiar, aquando da sua ida para a Comissão Europeia.
Ora, para além da enorme descortesia para todos aqueles (homens e mulheres) que se viram na vida criando a solo os seus filhos, esta é a visão do feminismo inconsequente e popularucho que todas as mulheres emancipadas devem rejeitar.
Como em tudo, as referências sociais assim como a identidade colectiva de um povo são históricas, portanto, assumindo que a igualdade só existe de jure, é descabido tal questionamento com referência a cargos que são assumidos por gente emancipada. Qual é a diferença para a Manuela Ferreira Leite, ser Ministra das Finanças ou Comissária Europeia? É melhor, lá não é contestada de forma tão boçal. E a Ilda Figueiredo, não é Deputada Europeia? E a Edite Estrela? Jamila Madeira? Ana Gomes?
Sobre se as mulheres estão equitativamente representadas nas instituições políticas é uma outra questão. Maria João Avillez, normalmente sóbria, abandeirou copiosamente em arco e comprovou justamente como as referências culturais são históricas, logo contextualizadas. E felizmente, temos dado sólidos passos no sentido de uma igualdade de facto que acompanhe a de direito.
Infelizmente, findo o belo dia, se calhar muitas das minhas colegas tiveram que fazer o mesmo (e mais) que eu vou fazer agora: preparar a refeição, estender a roupa, «fazer» outra máquina, lavar a loiça, regar as plantas e só não trato das crianças porque não há. Mas ainda terei que arranjar tempo para outras labutas extra-laborais, antes de beber um copo para descontrair.
Para uma pesquisa mais aturada, toda a informação no site do ICS.

5 comentários:

Anónimo disse...

o ARV vai a todas. acaba de nos prendar com mais um dos seus brilhantes textos sobre a actualidade. é curioso como o ARV consegue fazer a agenda de todos os seus leitores ao pontos deles já nem sequer lhe fazerem comentários. ou seja: O ARV já conseguiu o consenso entre os seus leitores e comentadores. é no mínimo bonito. hoje as mulheres, no outro dia os vendedores de carros, antes os bigodes dos portugueses, com passagem pelas unhas do mindinho, outro dia ainda o famoso fiscalista, mais atrás masturbação de baleias, vitorino, ursos a hibernar, enfim uma variedade de temas e de abordagens meritórias de um verdadeiro opinion maker. ataca em todos os sentidos e não ataca em direcção nenhuma. o ARV já teve melhores dias, aqueles em que se dedicava ao ensaio de comentário político. agora tornou-se banal. calhando é só uma fase. espero que sim.

l'observateur

EM ROID HALL disse...

Eu até pensei tratar-se do blogue do 24horas. Ó ARV, lá no seu EMPREGO, não há dívidas, não trabalham e há obra feita, e a apresentar. Com é que isso é possível? Huuum....

ARV disse...

Devo agradecer desde já a ambos. Por outro lado, devo confessar que as minhas concepções de vida não passam pela escravização operada pela organização capitalista em que assenta o mundo do trabalho.

Para mim, é um valor encorajador ter um emprego (e não um trabalho) que sirva as pessoas (sem que paguem mais por isso). Se assim for, para quê um trabalho?

Com franqueza, não esperava ver indivíduos desta natureza a defender a servidão humana através do enaltecimento do valor do trabalho...

Finalmente, aconselho aos mais distraídos que façam um simples exercício de dupla ruptura epistemológica. Por vezes, permite-nos ver para além das cortinas de fumo verbais...

Anónimo disse...

"simples exercício de dupla ruptura epistemológica", ó por favor ARV!! com expressões dessas até fico banzado. já agora, o que é isso de dupla ruptura epistemológia? um exercício simples? parece-me confuso. não percebo muito bem como é que uma dupla ruptura epistemológica pode ser um exercício simples. ainda assim. tudo bem. de cada um de acordo com as suas capacidades.

l'observateur

ARV disse...

A dupla ruptura epistemologica destina-se justamente a favorecer a compreensão pelos metecaptos e pelos leigos.