21 de abril de 2005

Que arquitectura eleitoral?

A actual intenção de restringir o número de mandatos é apenas a ponta do iceberg que tem como pano de fundo uma reforma eleitoral há muito adivinhada. Sob o argumento de aumentar a proximidade dos eleitores com os seus representantes (apesar de, até 2001, as autárquicas serem sistematicamente o segundo acto eleitoral menos participado, atrás das europeias), é defendido por alguns a substituição dos actuais círculos plurinominais pelos círculos de representação uninominal.
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Como se sabe, o nosso sistema eleitoral foi gizado com a preocupação de garantir a representação de todas as tendências políticas significativas e da maior proporcionalidade na conversão de votos em mandatos. Fruto do trauma original salazarista, essa seria a forma engendrada, grosso modo, para impedir a formação de maiorias monopartidárias e garantir o respeito pelas minorias. Por conseguinte, o apuramento de mandatos nas legislativas organiza-se em torno dos 22 círculos plurinominais, que elegem deputados consoante a proporção dos eleitores de cada círculo. Por seu turno, a fórmula de conversão de votos em mandatos é certificada pelo método de Hondt e visa garantir a mencionada representação proporcional (RP).

Para uma observação mais de-talhada, importa reter das chamadas Leis Duverger, a 1ª e a 3ª, que dizem respectivamente o seguinte: a representação proporcional conduz a um sistema de partidos múltiplos, rígidos e independentes e, o escrutínio maioritário a uma só volta leva ao dualismo de partidos.

Se a 3ª Lei não levanta grandes dúvidas, o mesmo não sucede com a 1ª. Na verdade, a 1ª Lei é imediatamente posta à prova pelas oscilações eleitorais posteriores a 1974 (maiorias relativas, maiorias absolutas monopartidárias e negociadas).
Com efeito, a tendência de polarização partidária verificada recentemente reforça a nossa dúvida quanto à 1ª Lei Duverger. E sobretudo a partir de 1987, essa tendência dualista começa a ser transversal a quase todos os círculos, à excepção de Braga, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal; comprovada também pela formação de maiorias absolutas monopartidárias em 87, 91 e 2005 (a somente 1 deputado em 1998).

Em 2002 apenas 5 dos 20 círculos eleitorais (excepção aos 2 círculos dos emigrantes) elegeram deputados provenientes de 4 ou mais partidos, tendo esse número diminuído em 2005 para 4 círculos. São, portanto, os maiores círculos a conseguirem salvaguardar ao nível regional a RP.
Não obstante, nem só a dimensão dos círculos (em número de mandatos) contribui para tais ecologias e matrizes partidárias. Excepcionalmente, o distrito de Évora, por exemplo, viu os seus 3 representantes ficarem equitativa e proporcionalmente distribuídos pelo PS, PSD e CDU.
Por aqui se vê que a dimensão dos círculos, por si só, não é conditio sine qua non que nos leve a concluir com rigor que o bipartidarismo cresça vis a vis com a diminuição do número de mandatos a atribuir, apesar de a relação ser intensa. No caso de Évora a RP funcionou mas na maioria dos círculos pequenos o efeito aglutinador dos grandes partidos, a escassez de mandatos e o cenário de votos «desperdiçados» tendem a projectar a polarização partidária.

Assim, para além da fórmula eleitoral e tipologia dos círculos, temos duas ordens de factores que, quando conjugados, são susceptíveis de condicionar directamente a representação partidária na Assembleia da Republica: a dimensão e circunstâncias políticas particulares; mas trata-se de uma conjunção que dificilmente se aplica aos círculos mais pequenos, em virtude dos factores enunciados no final do parágrafo anterior.
Por outro lado, o método de Hondt não ajusta proporcionalmente os votos aos mandatos, tende a distorcer a realidade em virtude da prioridade à média mais alta, favorecendo os partidos mais votados. Para se que se tenha uma ideia, o Bloco de Esquerda dispõe de 3,48% dos mandatos e 6,38% dos votos, enquanto o PS tem 45,05% dos votos e 52,17% dos assentos parlamentares.

O dilema que se coloca é o seguinte: sabendo que actualmente a RP é garantida pelos grandes círculos (Lisboa, Porto, Braga e Setúbal), e que os círculos uninominais (de escrutínio maioritário) ou mesmo os pequenos círculos plurinominais tendem efectivamente à bipolarização e ao favorecimento dos grandes partidos, como será possível manter a ideia da proporcionalidade expressa constitucionalmente? Mesmo sabendo que o pluralismo pode emergir intra-partidariamente (no seio dos grandes partidos, como nos EUA ou no Reino Unido), uma vez escrutinados, os deputados são eleitos pela nação e portanto, não vinculados a interesses regionais. Abolir-se-á na próxima Revisão Constitucional a RP que a custo é garantida pelos círculos plurinominais de maior dimensão? Ou deverão os actuais círculos ser alargados através de uma redefinição territorial, que os diminua em número

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