16 de junho de 2005

21% de IVA ou de pobreza extrema?

O Parlamento aprovou a subida em dois pontos percentuais do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em 3 anos aumentou 4 valores percentuais.

Apesar das justificações do Governo, esta receita fácil que já provou ser ineficiente com o governo de coligação PSD/CDS-PP. Os efeitos indirectos argumentados pelo Governo não parecem fugir muito do plano teórico, desde logo, discutível no seio da própria classe dos teóricos economistas, isto é, não existe consenso quanto a esta matéria.

Por outro lado, quando se alega que os mais pobres estarão salvaguardados através do saneamento das contas públicas e da sobrevivência da segurança social, o governo parece estar a esquecer uma vez mais que em Portugal «os mais pobres» não são um grupo residual, como o demonstrou um recente estudo do próprio ISSS.

Parece também pretender escamotear o facto de ser a classe média-baixa quem vai pagar o saneamento do défice público. Nada a opor, desde que os que têm aumentado nos últimos anos a percentagem de compra de bens de luxo (carros, imobiliário, etc.) também contribuam. Que custos humanos pode causar o IVA a 21% a quem tem rendimentos mensais para cima de 10 000 ou 30 000€?

Não sei se os nossos políticos têm uma noção aproximada, por exemplo, do estado miserável em que se encontra a cidade onde supostamente trabalham diariamente, nomeadamente ao nível da degradação da condição humana. Confortavelmente instalados nos estofos de pele e com os vidros fumados dos luxuosos «carros de Estado» é naturalmente difícil formar uma ideia. E não obstante, juro que nunca vi tantos jaguares e outros automóveis de luxo como agora.

Aproveito para contar duas histórias. A primeira já aqui a tinha descrito, a segunda é um inédito.

Primeira: Não obstante a miséria que vemos (ou não queremos ver, inclusive em Évora) diante dos nossos olhos, certo dia em reunião com um industrial da hotelaria e com fortes ligações à fundação da Universidade Lusófona, entre os seus irritantes tiques linguísticos que afectavam profundamente a minha concentração, lá me foi confessando entusiasmado que «o ano papão de 2002» de que todos falavam, não o tinha afectado minimamente. Pelo contrário, tinha sido um ano excelente, nas palavras dele. Estava-se a referir à facturação num dos seus hotéis de luxo.

Segunda: Há um par de anos, tive o privilégio de conhecer uma alemã extraordinária, radicada no Sul de Itália há 30 anos, que partilhou comigo a sua primeira experiência em Portugal, a forma como percepcionou em particular, Lisboa. E não foi nada agradável a impressão com que ficou pois não imaginava que numa capital europeia de um país membro da UE (com todos os fundos de coesão), apresentasse tal nível de degradação humana. E não estamos a falar de uma pessoa inexperiente, garanto.

Este é o triste retrato do nosso país, um país profundamente assimétrico do ponto de vista social e económico.

Compreendo e exijo que se tomem medidas férreas mas há algo que ainda não foi compreendido: grande parte do problema está na forma como organizámos o Estado, na forma como não sabemos organizar o nosso próprio trabalho e na representação mental que temos de conceitos como competência, produtividade, relacionamento pessoal. Em relação a este último, seria suposto que a confiança e competência profissional pudessem extravasar o domínio das relações pessoais, da rede de contactos e da paga de favores.

E basta ver como tive a oportunidade de contemplar vezes sem conta, tipos a arrancar com o carro do Estado em segunda ou em apoteótica chiadeira, alegando orgulhosamente que «não é deles, é do Estado». Um pequeno exemplo em como uma grande parte de nós, inclusive alguns funcionários públicos, não sabe peva do que anda aqui a fazer.

Mas é esse o país que temos e é por isso que quem tem capacidade para se fazer ouvir não pode ficar calado!

Não sendo economista (embora neste caso, tanto dê) e confessando a minha total ignorância em matéria de macro-economia (e de economia em gera), só aceitarei esta medida quando me sentir convencido pelos bons resultados. Não chega a vaga presunção de princípios como a boa-fé. E a esse respeito, os resultados não têm sido nada animadores.

Honestamente, nada disto faz sentido se não for feito a pensar na pessoas e com elas. Só assim poderemos transformar este lodo em algo menos viscoso.
Não se trata de ter um Portugal igual aos países desenvolvidos, trata-se tão somente de termos um Portugal que orgulhe quem nele vive, seja português, angolano, ucraniano ou norueguês. E temos mais que condições para satisfazer esse desiderato!

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