15 de junho de 2005

O bosque harmonioso

Como bons portugueses que somos, sempre muito ciosos com o que é nosso e com o que é de todos, temos também uma característica singular, aliás, duas: inteligência, que nos permite fazer retrospecções sobre factos passados e assim rectificar eventuais erros cometidos por outra pessoa (outra pessoa, sempre...); e sensatez, virtude imprescindível no extraordinário desenvolvimento deste país e na sequente harmonia e equilíbrio entre as regiões e entre os iguais cidadãos (de jure e de facto).
É este o nosso singelo jardim «à beira-mar-plantado», uma obra divina que os céus ofereceram aos homens, entre os quais somos particularmente honrados; e felizes, neste Éden de sonho.
São essas qualidades de um povo, o nosso volkgeist, que inspiraram Augusto Abelaira em obras de exaltação (ao ser humano português), como O Único Animal Que? ou O Bosque Harmonioso. Aconselha-se vivamente a sua leitura e quiçá, seguir algumas sugestões.
Como somos tudo isso e muito mais ainda, incomensuravelmente mais, metaempiricamente mais e absolutamente mais, ora aqui vai mais uma suave machadada (entre centenas delas, desde Sesimbra, passando pela lingua de Troia, pelo areal que começa na Comporta e se extende até às maravilhosas falésias da Zambujeira-do-Mar), perpetrada e desejada por pseudo-autarcas que foram aparentemente eleitos por «patos bravos», em representação dos interesses de cidadãos inconscientes e apáticos. «Venha de lá o progresso, porra», parecem querer dizer as dunas, as falésias, os frágeis ecossistemas, as águas ainda cristalinas, as camarinhas e os peixes, tendo recebido boas notícias do Algarve, de Lisboa e de todo o litoral centro-norte, estão muito entusiasmados com a ideia.
Por falar em peixes, onde é que ficou o famoso Padre António Vieira que conseguia miraculosamente levar secas monumentais para as águas?
A toda essa gente, dever-se-ia poder oferecer desde já uma caixinha de piolhos e uma a saca a abarrotar de pastilhas elásticas. Para simplesmente, não pensarem...

2 comentários:

Anónimo disse...

Cheguei aqui pela via do Mais Évora. Felicito o ARV pelo seu "blog" e pelas mesmas razões do Mais Évora : a sua qualidade (no grafismo, no cuidado com a nossa língua, etc.). Constatei, contudo, que quando "excede" a pura ironia, consegue dar um "salto" espantoso para a sempre arriscada mordacidade (mas sem mácula, pedagógica, fazendo-me lembrar as "farpas" do Eça ou do Ramalho). Parabéns !

ARV disse...

Vindo de tão ilustre cidadão eborense (com leve sotaque setubalense, é certo...), não posso deixar de acolher estas palavras com destacado regojizo.

Quanto à mordacidade, creio a fronteira é delicadamente ténue, é certo, mas perante a indignação com que somos confrontados diariamente, é quase impossível resistir. Muito sangue na guelra... e sobretudo, agitar consciências no sentido de promover um dos primados fundamentais da democracia: o envolvimento cívico e consciente de todos.

Saudações cordiais ao cidadão António Eugénio.