14 de julho de 2005

Ballet Gulbenkian: «Ó Louçã, também me puseram de serviço na Av. de Berna»

Apesar dessa franja ideológica denominada «esquerda» desde sempre se arrogar detentora de uma relação singular com a intelectualidade [em particular essa intelligentsia moralmente superior mas que, no entanto, se distancia dos moralmente castos – em Portugal, os católicos] e dessa maneira, estendendo os laços à cultura, certo é que ontem, na manifestação de apoio ao Ballet Gulbenkian, os únicos responsáveis da cena partidária local que marcaram presença, foram os dirigentes do BE e, debalde, do PCP. Debalde, porque aquilo não é cultura popular, tão do agrado dos comunistas…

Curiosamente, numa coisa o Concelho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian tinha razão, quando aparentemente de forma estapafúrdia, apresentou os seus argumentos, alegando que esta companhia já não correspondia necessariamente aos fundamentos que lhe estiveram na origem. De facto muito mudou, desde os bailarinos às músicas, passando pelos maillots e pelas coreografias. Há quem lhe chame, desenvolvimento social, muito pouco conivente com essa visão amish do mundo.

Sou obrigado a concordar parcialmente, em face dessa perigosa deriva descentralizadora e pouco elitista que a companhia protagonizara. Com efeito, de há alguns anos a esta parte, o Ballet Gulbenkian acumulava a costumada função de substituição do Estado em matéria de cultura (mesmo com Secretaria de Estado e mais tarde, Ministério da Cultura), com a função de disseminação e promoção da dança entre as massas, de Mirandela a Serpa.

O sucesso era evidente e, pessoalmente, tive o privilégio de os ver duas vezes numa mesma cidade do interior, a preços muito razoáveis e num local de reduzida capacidade de carga. Haviam apoios do Ministério da Cultura que incentivavam estas iniciativas e por momentos sonhou-se que nesta área, estivessem criadas as condições para que os segmentos de primeira e segunda categoria que rotulam os cidadãos portugueses, se esbatessem. Grande engano. Também por estas razões, não vejo necessidade de se referendar matérias que são desde logo indesejáveis, como o caso das Regiões Administrativas. Tal como em 1998, é o próprio PS a dar a machadada nessa questão de justiça para os seus cidadãos.

Prosseguindo, não deixa de ser intrigante que a direita – mais ou menos amorfa – não se fizesse representar. Afinal, o Ballet Gulbenkian cumpria igualmente a função de digno representante da Pátria no estrangeiro. Sem a expressão de um Figo ou de um Défice, certamente. Talvez sem grande paroxismo, fora do circuito menos dado a palhaçadas, o Ballet Gulbenkian cumpria escrupulosamente essa missão, sem rasgar contratos como os jogadores de futebol, sem patranhas como os nossos políticos e com qualidade como alguns portugueses.

Por isso, estranhei não ver nacionalistas dando as mãos a Jerónimo de Sousa e a Francisco Louçã, unidos por um mesmo propósito, embora impulsionados por motivações diferentes, salvaguarde-se.

Também se pode ter dado o caso de ter calhado àqueles dois na escala de serviço. Afinal de contas, o mundo da política em Portugal não é como uma aldeia em que por força da endogamia, todos são primos, embora agrupados em clãs distintos?
Se calhar, o Pacheco Pereira ou o Manuel Alegre não conseguiram trocar de serviço. É pena.

Os profissionais do Ballet Gulbenkian, os países que sempre o acolheram com simpatia e o povo português (com fortes reservas) mereciam melhor. Creio que o próprio armador arménio também merecia melhor do que aquilo que afinal lhe vieram a reservar.

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