9 de maio de 2006

O Joio

As providências cautelares interpostas por grupos de cidadãos, contra o fecho das maternidades, são fundamentadas pela defesa do interesse público, ou seja, foram mobilizadas na suposição de que o encerro das maternidades é gravemente lesivo para o interesse público. Seja ou não lesivo, com esta acção postula-se a formulação de uma decisão que se distancie do livre arbítrio dos gabinetes ministeriais. E dos seus compinchas.

Esta acção de indignação reflecte um interesse concreto alicerçado na razão instrumental, motivado por argumentos objectivos como as distâncias e eficiência dos serviços. Mas também por argumentos simbólico-emocionais. Qualquer um, desde logo discutível. Porém, é precisamente a esse plano que a acção visa posicionar a decisão. Torná-la discutível, como é natural em democracia.

Em Évora, o caso do «pombal» agora completamente descascado [ao ponto de ser indistinguível o ground zero daqueles resquícios de parede a soçobrar] não foi objecto de uma providência cautelar ou de uma manifestação de indignação, porque não há cidadãos como em Barcelos ou em Elvas [há ou não há?...].
Não se verifica a emergência de um interesse mediato para defender um interesse concreto: o público. Não, nada disso. São apenas identificados dois blocos de interesses: o das famílias que serão herdeiras de uma infraestrutura que renascerá das cinzas com dinheiro meu e vosso; o do Executivo, que francamente, não compreendo nem sequer me merece qualquer tipo de especulação circunstancial. À semelhança do duplo negócio de embelezamento da rotunda às Portas do Raimundo com a estrutura montada no subsolo debaixo da fonte, preparada para suportar o Titanic… que afinal ficou plantado a escassos 20 metros.

Ao que parece, em Évora como no resto do país, corre a indignação nas veias das pessoas. Nos cafés, em blogs, em esquinas ou mesmo nos barbeiros. Gente cheia de sangue na guelra. Mas só na guelra, porque ao que parece também, a noção de «Estado» e «erário público» são realidades longínquas, vagas, menores e despreocupantes. Viveremos afinal a opulência do séc. XVIII…
E rapidamente essa indignação se esfuma em atavismo e no mais desprezível conformismo, próprio de quem se habituou a levar e calar durante o Estado Novo. Agora não é diferente. Nem sequer as elites no poder.

As providências cautelares interpostas por cidadãos contra o encerramento das maternidades, são uma resposta contra o sentimento de impunidade reinante entre a classe política portuguesa, que tudo decide como se não tivesse que prestar contas à população que a elege. É isso a democracia representativa e não uma carta branca para governar.

Os políticos são meros executantes da acção política e não estrelas de Hollywood. As políticas podem ser mais ou menos adequadas mas certamente deverão ser objecto de ponderação. Por isso mesmo, há decisões que devem ser deliberadas e confirmadas pelas assembleias municipais. E o que são estes órgãos? Nada mais do que o povo representado. Uma vez mais. Claro que os membros à Assembleia Municipal conhecem inequivocamente os munícipes que os elegem. Os últimos até lá vão a casa jantar… Se trouxerem o jantar confeccionado, claro…

Em Évora, foi-se o trigo, ficou o joio. E está para durar pois dos insignes agiotas, bem-falantes e intelectualóides eborenses, pouco se pode esperar a não ser uma promoçãozinha como manda a puta da lei.

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