1 de agosto de 2006

Lei das Finanças Locais I

No passado dia 27 de Julho foi aprovada em Conselho de Ministros, a proposta de Lei das Finanças Locais.

As acusações, as dúvidas e os apoios incondicionais dividem especialistas, políticos, cidadãos comuns e incomuns. Se nuns casos sobrelevam as análises mais ou menos pluridimensionais e ponderadas, noutros casos, pouco mais se retira do que o restolho da sacristã defesa de interesses partidários e da santa ignorância e atavismo pululantes por esse país fora.

Não obstante os diferentes posicionamentos opinativos, há um aspecto na nova lei que por si só a torna relevante, pela consensualidade que inspira: a necessidade da sua elaboração, fossem quais fossem os contornos. A urgência de uma nova lei não resulta tanto da sua caducidade temporal (a actual é de 98) como das suas deficiências estruturais. Urge adaptar as normas a realidades evolutivas historicamente, preferencialmente de uma forma inteligente. Como sempre, este é o grande desafio.

Não procurarei deter-me aqui em considerações técnicas à nova lei, cujos contornos só conheço na generalidade. Essas, deixo-as aos «especialistas». Porém, algumas interrogações foram-se acumulando na minha mente à medida que escutava através do transístor, a des-cuidada argumentação de especialistas [e outros especialistas] tecendo as mais díspares observações a uma realidade conhecida ou vagamente familiar: as autarquias locais.

Uma das tradicionais acusações movidas às autarquias locais e que, aliás, serviu de arma de arremesso contra a ideia de regionalização em 98, é a corrupção que, segundo muitos, grassa nesse universo nebuloso, tenebroso e suspeito, que é o poder local. Perante a ineficácia de fiscalização do Estado, a pretensa generalização desse crime ficará por provar porque das 4569 autarquias locais (se me não falham as contas), não passarão de um punhado, as condenações efectivas. Um punhado por cada mão. Falta de fiscalização? É possível que sim mas não deixa de ser um punhado.

Portanto, esta questão não poderá ser abordada pelo recurso a estatísticas e factos apurados mas sim pela percepção extra-sensorial e pela fé.

E ao falarmos da quantidade de condenações efectivamente apuradas, não poderemos olvidar de modo nenhum a quantidade de falências fraudulentas de empresas privadas ou a ordinaríssima fuga ao fisco. Tenho alguma fé nisso. É claro que tais para-fenómenos não desculpam uma possível má conduta de agentes do Estado mas não seria de todo bizarro se fossem igualmente averiguados com rigor, os factores danosos para os cofres da malta toda, ie, desse tal Estado. Por uma questão de justiça, porque de repente me vêm à cabeça coisas como IVA, IRS, IRC, subsídios de desemprego, descontos para a segurança social, utilização abusiva da comparticipação estatal na saúde, atribuição de bolsas de estudo e até a carniceira discriminação na venda de serviços ao Estado por mecânicos, artistas, electricistas, médicos e outros burlões. Mas tudo não passa de um produto da minha percepção/imaginação, assente em pressupostos de fé.

Em todo o caso, é saudável recordar que em matéria de corrupção, é tanto prevaricador o que corrompe como o que é corrompido (sem escamotear as particulares responsabilidades dos detentores de cargos públicos). A necessidade desta precisão remete-me naturalmente para aquelas desculpas másculas da meninice de alguns e da adultez de outros (tudo muito masculino), apostados na sua moral das coisas que «paneleiro é o que leva, não o que dá»… Infelizmente, nem o estigma nem a necessidade de afirmação de uma virilidade permeável [e quiçá, insegura…], se transformaram em algo mais útil para um reino onde nem tudo o que parece é. E nem tudo o que é, parece.

Portanto, sempre que um acto de corrupção se materializa, é estimulado por ambas as partes, sendo que uma é quase obrigatoriamente privada. Pela lógica das coisas…

Uma medida aproximativa, esta de divulgar a lista dos principais devedores ao fisco e à segurança social. Devia ser acompanhada de uma outra com os principais organismos públicos que não respeitam os seus compromissos. Não seria por montante [por razões óbvias que têm que ver com o princípio da igualdade do credor] mas sim por tempo, por exemplo, mais do que 12 meses. Para começar.

Por outro lado, não se compreende como é que as autarquias locais podem ser na sua generalidade acusadas de gestão deficiente dos recursos financeiros – nacionais e comunitários – de que dispõem.
Em primeiro lugar, porque nessa matéria, o poder central não é exemplo para ninguém. Em segundo lugar, porque o sector privado não é exemplo para ninguém. A agricultura e os têxteis (só para citar dois notáveis intervenientes), consumiram ao longo dos últimos 25 anos, uma fatia de leão dos fundos comunitários, com os resultados vistos: ao que parece, subsistem umas reminiscências da actividade agrícola em Portugal e o Vale do Ave abriu brechas que mais o assemelham a um abismo, o Abismo do Ave. Sem prejuízo para ferraris, land rover’s, casas na praia, na neve e o raio que os parta. Tudo crenças infundadas, claro. Por vezes sou mesmo injusto!...

Sem comentários: