17 de agosto de 2006

Marcelo Caetano Cumpriria Hoje 100 Anos





Os vinte e seis anos que passaram sobre a morte do Prof. Marcelo Caetano ainda o vão ilibar do seu permanente apoio ao Estado Novo, desde a década de 30 até à época em que exilado no Brasil, destilava veneno sobre a pueril democracia.

De alguma forma, estes 26 anos parecem inocular em alguma imprensa nacional e nalguns líderes de opinião, aquele antídoto temporal [ou simpatia encapuzada] que amaina e nuble a posição que o homem adoptou voluntariamente, à semelhança da espera de Günter Grass para vir confessar agora ter pertencido às SS nazis. Uma questão de tempo para digerir informações potencialmente tóxicas, um mecanismo aliás tão do agrado dos Estados para suavizarem as patifarias feitas no decurso da história.



No Público de hoje, por exemplo, a imagem do ditador era intencionalmente servida num prato convexo, procurando explorar a ambivalência do académico-político. Ao colocar em evidência os inócuos atritos com o Regime e com Salazar em 1962 (abandono da Reitoria da Universidade de Lisboa, justificado pela proibição do dia do estudante), atribuindo-lhes febrilmente o estatuto de “dissidências”, o matutino vem associar-se à disseminação da imagem de um político reformista que teria em mente, em última análise, a transição gradual e pacífica para a democracia. Ora, os 6 anos que esteve à frente do governo são inequívocos naquilo que eram as expectativas de fundo – a transição para um regime democrático – uma vez que o chamado reformismo marcelista, nessa dimensão, não passou de uma operação lata de transformações epidérmicas com consequências previsíveis ao nível do entretenimento e ilusão da populaça. A saída de Sá Carneiro em 1970 da Assembleia Nacional vem confirmar isso mesmo. O charme não dava para tanto.

Apesar disso, este falso reformismo não teve repercussões noutras áreas, nas quais, sob a batuta de Caetano, foram efectivamente levadas a cabo algumas reformas estruturantes que transitaram até aos nossos dias, como é o caso da ADSE, da reforma do ensino ou do alargamento da Caixa de Previdência aos trabalhadores rurais. Ocorridas com um desfasamento temporal medonho, comparativamente aos países europeus de referência.

Igualmente no período marcelista, Portugal esboçou uma tímida abertura naquilo que eram as orientações do Estado a respeito da inicial flexibilidade demonstrada na condescendência com a Ala Liberal da União Nacional, da liberalização económica e na definição de projectos como o de Sines e Alqueva. Nada porém, que Salazar não tivesse consentido em outras circunstâncias, com mais ou menos sucesso, com mais ou menos patrulhamento. A diferença residiria meramente no estilo de condução política, ou seja, na forma.

Em todo o caso, na figura de Marcelo Caetano permanece indubitavelmente o apego ao poder, à doutrina e à superioridade intelectual de uma elite à qual ele obviamente pertencia. Por seu turno, três décadas volvidas, permancem igualmente intactas as capacidades de persuasão de Marcelo, padrinho do outro Marcelo, às quais, muitos dos de hoje parecem sucumbir como naquela época.

Feitas as contas, o tempo há-de se encarregar de classificar afinal este homem como mais esquerdista do que Cunhal, concentrado estava nos preparativos subversivos de uma revolução de veludo, de acordo com a sua imagem mais insigne, a do brilhante académico cujo único senão, foi ter alinhado durante décadas no retrocesso económico, social e político da nação que tanto amava…

Contudo, já no exílio, Marcelo verberava por vezes o novo regime, com sentenças tão actuais quanto acertadas:

“Pela via aritmética, clamando que são eleitos pelo voto popular, vemos alçados ao poder analfabetos, traidores e desonestos que conhecemos de longa data. Alguns nem serviam para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, a deputados, a governadores civis e mesmo, quando não querem, a ministros” (in Público de 17.8.06).

Paradoxalmente notável, este nível de conhecimento do país.

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