17 de novembro de 2006

Alisares Político-Sociais

A satisfação do Presidente da República com a performance do Governo não surpreende, apesar das supostamente divergentes famílias partidárias: um começou no PSD e acabou supra-partidário e o outro também começou no PSD e acabou numa espécie de ala esquerda do PSD ou revigorou ala direita do PS. Para já!...

Mas há mais casos destes em que as derivas ideológicas sucumbem ao utilitarismo ou até, a uma nova interpretação da realidade. Com o avanço da idade e desencantamento do mundo, Mário Soares e Freitas do Amaral reposicionaram o seu discurso ao nível da esquerda radical, tendo o segundo protagonizado uma transformação só ultrapassável pela metamorfose da Roberta Close. Mais radical, só se a Igreja defendesse a interrupção voluntária da gravidez.

Zita Seabra indispôs-se com PCP e passou a alinhar com o PSD. José Luís Judas fez o mesmo mas não foi tão longe. Foi moderado, quedando-se pelo grupo dos marxistas não ortodoxos, no vulgo, social-democracia europeia ou socialismo português.
De maoista, Durão Barroso, não só se converteu ao liberalismo económico, como hoje é um euro-convicto e proeminente Presidente da Comissão Europeia. O que dirão os seus antigos comparsas revolucionários ainda no activo? Manuel Monteiro, titubeante, começou na direita, passou por um período circunstancial de genuína crise de identidade, para se afirmar agora como o esteio da direita em Portugal.

Só Alberto João Jardim e mais alguns indefectíveis se mantêm resolutamente leais a princípios, interesses ou a si próprios. O Scolari também.

Estes ajustamentos posicionais [mais ou menos brusco] são todavia, necessários e positivos na vida de um homem. Podem representar o grau de inteligência do protagonismo, ou em contrapartida, a capacidade de sobrevivência política. E [esses reposicionamentos], afirmam-se cada vez mais como um sinal dos nossos tempos, em virtude da aceleração inaudita do ritmo a que as sociedades contemporâneas se movem. Nunca, até hoje, a mudança social foi tão impetuosa, incisiva e até fracturante, nomeadamente nos seus pilares de sustentação axiológica e cultural. Nalguns casos, fugaz e geradora de verdadeiras perturbações e indefinições sociais. Confusões. Em muitos casos, exclusiva, potenciando desenvolvimentos assimétricos e capacidades assimétricas de se confrontar com a mudança e connosco próprios na solução de problemas.

É enquadrada nesta ordem que a volatilidade eleitoral (característica das democracias consolidadas e estáveis) vem ganhando terreno ao campo das convicções ideológicas inabaláveis. Estas têm particular alimento em circunstâncias de convulsões sociais, instabilidade económica e política, intolerância cultural ou excessivo relativismo cultural, etc. Nessas circunstâncias existe a necessidade da definição concreta do posicionamento ideológico. É aí que as ideologias são fracturantes e definidoras de segmentos sociais e grupais, constituindo uma barreira defensiva, normalmente apoiada em não-lugares como são as utopias (de esquerda e de direita).

Inversamente, em sociedades imediatistas e confortáveis [a sensação das grandes e basilares conquistas ser um achievement inquestionável], as ideologias esbatem-se e cedem à volatilidade. Cedem sobretudo ao pragmatismo racional da estandardização política e à uniformização cultural e política de uma sociedade, rompendo as paredes estanques dos principais compartimentos sociais.

É aqui que reside o centrão de Sócrates e Cavaco. Numa anestesia geral assente na inevitabilidade das coisas. O realismo pragmático das reacções a demandas de solução imediata, sobrepõe-se às concepções idealistas com espectro de acção a longo prazo.

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