10 de dezembro de 2006

O Paradoxo Libertário

Na sua forma planeada (em contraposição ao acto imediatista de desespero), o suicídio é a mais alta expressão da autonomia individual física e no momento crítico da sua materialização, reflecte a mais irónica e serena lucidez. Justamente porque permite a correcção de um abuso demiurgico. Egocêntrico? Seja, e depois?...

Para os que advogam o princípio da autonomia individual, o suicídio representa uma possibilidade de rara autodeterminação face à natureza da existência determinada culturalmente. Heterónoma. Aí reside o aflitivo paradoxo libertário. Na bidimensionalidade que integra vida e morte, dois lados da mesma moeda. A vida é um bem a preservar. Sem embargo, a decisiva autonomia individual consiste justamente em inverter o emprego de esforços com algo inútil.

Desde a concepção e nascimento, passando pela repressão dos instintos naturais, até à necessidade de compromisso com as exigências de um sistema de ordenamento social que não foi por nós sufragado ou desejado. Isto é, nem é possível escolher em que seio de família se nasce, nem é exequível viver fora do ordenamento político, jurídico e cultural dominante (mesmo para os comichosos da diferença). Como exemplo, a condição existencial do ermitão é forjada a partir de uma negação ao paradigma dominante (sejam quais forem as razões).

Ao indivíduo, resta-lhe não mais do que o mundo das alternativas possíveis, que relevam de zonas de incerteza. Contudo, a opção pelo suicídio não se apropria de elementos de incerteza, criadores de uma ilusão de autonomia. Mas estabelece o único pressuposto que permite a formação de uma vontade individual pura e capaz de se determinar existencialmente.

A eutanásia é uma mera extensão da afirmação de uma vontade incapaz de se autodeterminar. Por essa razão envolve uma contracção da liberdade e autonomia individual. É uma vontade dependente, condicionada.

Porém, à incapacidade física ou técnica que justifica a mediação de um terceiro, podemos acrescentar a incapacidade psicológica, isto é, a incapacidade em concretizar a assunção de uma vontade, de um desejo de suicídio.

Em virtude deste arrazoado, o conceito de eutanásia deve – em meu entender – ser reformulado de modo a integrar todos aqueles angustiantes casos como o do Sr. Segismundo, que incapazes de pegar numa arma ou de arrear um baraço à volta do pescoço, desejam ardentemente a libertação.

1 comentário:

Anónimo disse...

:) Ainda não li. Mas acho que teremos uma bela conversa acerca... Tenho saudades tuas. Beijinhos.