16 de maio de 2007

Um floco de neve no Verão

Será possível que um exíguo e inofensivo floco de neve obscureça um dia de Verão? Será que o dia é de Verão? Ou aquela luz pintada de cinzento e suspensa num ar pesado é, afinal, o anúncio de um rigoroso Inverno?

Entre essas e outras interrogações, o homem continuou a cavar, em movimentos ritmados, a vala onde havia de descansar mais tarde. Só não sabia em qual delas. E isso deixara-o nervoso porque no fundo de cada uma das valas, discernia um frágil mas insidioso floco de neve. A sua visão não era dominada pelo negrume do fundo mas pelo deslocado ebúrneo dos cristais de gelo. Não obstante, as suas costas foram lentamente dominadas por uma compacta escuridão.

3 comentários:

licínia disse...

Creio que o homem sonhador, embalado pelos seus próprios sonhos, terá a serenidade para perceber o caminho...

Anónimo disse...

- Ebúrneo ou Cândido? - Nua ou despida?
Continuou, o segundo homem. Numa clara tentativa de desviar a atenção do primeiro, de cavar a sua própria vala.
-lá na minha terra, os homens, quando adivinham a sua morte próxima encarrega-se o filho mais velho de os carregar até ao cimo do monte mais alto para que ali, sozinhos se despeçam dos dias. De Inverno, de verão, de primavera, de, sim, de Outono. – ah! E, claro, das noites também.
- deixa-te disso! Não me vais dissuadir do que pretendo fazer. A minha própria vala. – já não me bastava o maldito floco. Será que..? – ajuda-me a subir!
- Um… cigarro? – toma. Eh eh… a puta da picareta está a fazer-me mossas nas mãos.
- humm... é normal. Ao menos usavas umas luvas. – afinal – lume..? – quantas planeias cavar ainda..?
- uma dúzia!! Eh eh.. – belo cigarro – não pá! Apenas mais uma ou duas. – isto no fundo é só para me distrair. Fumemos então.

ARV disse...

... e fumaram. Esse e outro cigarro. E mais outro. E outro ainda. Fumaram até os dedos grossos e inchados revolverem o fundo do maço e rasparem em nada. Nada que uma leve brisa de fim de tarde não consolasse e fizesse esquecer o vício. Aqueles fins de tarde eram deliciosos e as valas pareciam abrir-se sem esforço. E já sem cigarros para partilhar. Mas as picaretas continuavam a rasgar o chão e após alguns anos, o monte já lá não estava. Apenas um manto de flocos de neve e a escuridão da noite. E o homem virou a cara ao filho e disse: - vai sem mim rapaz, que se faz noite. Não discutas, vai e não voltes, a não ser com o teu filho, um dia, quando vires flocos de neve neste chão áspero.
O rapaz foi.