4 de junho de 2007

Suspensão de Mandatos

Só não tendo esse hábito - de que falava em Hábitos Falhados - ou, não aceitando sujeitar a sua própria existência a tais práticas, é que se admite que aqui no reino, o reinador, coopte e esventre ciclicamente o poder local. E em consequência, o governo do povo.

Os autarcas que sejam constituídos arguidos vão passar a ter que, mecanicamente, suspender os seus respectivos mandatos, após dedução da acusação. Por tempo indeterminado, necessariamente, porque é na indefinição temporal que se esgota o horizonte da justiça portuguesa. Valha-nos isso, autênticos autos de fé numa cruzada contra a corrupção... na base.

Na idealização desta medida, os senhores deputados deverão ter considerado o tempo médio de cada processo judicial em Portugal, até transitar em julgado. Ou seja, de cada vez que um autarca seja constituído arguido, só ao cabo de 2 ou 3 anos [com recursos pelo meio] é que conhecerá a sua sentença, coincida ela com a vontade do acusador... ou não. Entretanto, a Câmara Municipal fica parcialmente anestesiada durante esse tempo, aguçando o apetite às oposições...

Este aspecto poderá revelar-se um bocadinho promíscuo, [apenas] por duas razões. Em primeiro lugar, porque a condição de arguido não dispensa um julgamento. E, nesse caso, um indivíduo poderá ter que suspender um mandato legitimado democraticamente pelo povo, correndo o «risco» de vir a não ser condenado, decepcionando os telespectadores. Em segundo lugar, os processos judiciais em Portugal são gerados a partir de elementos tão espúrios quanto o são as denúncias anónimas, calúnias, manchetes de jornais, documentos infantilmente forjados, excesso de zelo das autoridades e, até, imagine-se, de estratégias políticas. Provocar eleições intercalares (fonte de despesa e instabilidade política) ou desembaraçar-se politicamente de um adversário não serão aliciantes suficientes para os menos escrupulosos?

A promiscuidade dos elementos associados à suspensão de mandatos deixará de se colocar quando os tribunais forem realmente independentes, rigorosos e os processos forem céleres e ficarem concluídos em 2 ou 3 meses. Até lá, medidas como esta correm o risco de não passar de populismo barato para português ver…
Enquanto tal choque tecnojurídico não aconteça, seria útil que partisse dos partidos um processo de arregimentação de pessoas, mais consentâneo com os valores apregoados e exaltados a viva voz por esses mártires da moral e dos bons costumes...

1 comentário:

Anónimo disse...

A ingerência nos sistemas estáveis é a medida da nossa incompetência. Só pelo caos é que os incompetentes poderão ser notados.
Também contribuí para o caos...