20 de novembro de 2007

O «Deus-Juíz» ou a confusão entre autonomia e autismo

António Martins, Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, subiu ao palco mediático para, em estouvados bicos dos pés, sublinhar o estatuto dos magistrados enquanto garante da democracia e das instituições democráticas, desde que disponham de independência e autonomia. Em contrapartida, não devem ser confundidos com a condição de «juíz-funcionário público».

Acontece que esta condição preexiste aos juízes. Resulta da acção legislativa dos parlamentos nacionais pelo que, as normas nacionais regulam e sancionam administrativamente uma enorme parcela da vida quotidiana sem a necessidade de intervenção dos tribunais nem do «deus-juíz».

Não está minimamente em causa a independência dos juízes e, acima destes, de todo o sistema judicial. Porém, há regras às quais estes «deuses» se devem submeter, como a restante populaça. Para bem, justamente, da democracia.

Será um sinal dos tempos ou apenas uma má interpretação da autonomia, que adiante aparece metamorfoseada em puro e boçal autismo: contra dois pareceres científicos, o Tribunal da Relação de Lisboa concordou com o despedimento por justa causa de um cozinheiro infectado com o HIV pelo hotel onde trabalhava, alegando haver risco de contaminação para os clientes.

Quer se venha ou não a verificar tal contaminação. O risco [de que fala o acórdão] representa um perigo em potência, presente igualmente quando se atravessa uma passadeira, quando nos aquecemos à lareira, quando se vai ao estádio, quando se discute no trânsito com um automobilista mais impaciente ou, simplesmente, quando se ingere água de uma garrafa de plástico.

O Tribunal da Relação de Lisboa podia simplesmente, neste como em outros casos, dispensar pareceres que fossem potencialmente adversos ou contrários à interpretação dos «deuses-juízes», cuja leitura da realidade parece estar acima de quaisquer outras. Faria assim as vezes do governo e assumia definitivamente a tirânica arrogância dos deuses.
Para já, há muito a fazer. Logo a começar pelas escolas: explicar que, embora ligeiramente semelhantes morfologicamente, as palavras «autonomia» e «autismo» têm na verdade, significados distintos.

1 comentário:

João disse...

ainda não sabes?!
- no nosso país há (muitas) categorias profissionais com legitimidade legal para a autonomia e autoridade moral para o autismo...