4 de janeiro de 2008

Lisboa-Dakar, o quarto dos brinquedos

Depois do epopeico Paris-Dakar se ter transformado num comercial Paris-Barcelona-Dakar e, recentemente, num Lisboa-Dakar, a dimensão do risco, da imprevisibilidade e da aventura esgotou-se. Nesta dimensão, o maior e estimulante desafio consistia em pôr à prova as capacidades de cada um, das máquinas e recursos tão escassos quanto falíveis, num ambiente permanentemente inóspito.

De agora em diante, esta dimensão tende a ser arrecadada pelo entretenimento, pelos riscos controlados e pela glória partilhada por construtores e patrocinadores. A dimensão artesanal e romântica da coisa cedeu à contemporânea obsessão com o controlo dos riscos e externalidades.

Apesar de continuar a ser um desporto de elites, no actual Lisboa-Dakar, continuam a haver «aventureiros» de todos os timbres e feições. Contudo, o risco resume-se a uma noite mal dormida e aos inevitáveis acidentes de viação, cuja evacuação se faz por helicóptero em 20 minutos.

Por se ter transformado num evento à escala global, onde múltiplos interesses se conjugam, o governo francês entrou também na corrida, utilizando este evento como extensão instrumental da sua sobranceria. A morte de quatro franceses será razão suficiente para cancelar o circo. Enquanto isso, nas cidades de todo o mundo são diariamente assassinadas milhares de pessoas, ao passo que outros milhares sucumbem no mundo inteiro à intolerância, à guerra, a doenças e à fome.

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