Sempre o conheci assim. Chapéu de feltro na cabeça, roupas escuras, motivadas por um luto dilacerante por resolver. O luto pelo mais novo de três irmãos que experimentaram a atrocidade das picadas africanas. Luto que só foi «resolvido» há cerca de quatro anos quando o caixão de chumbo foi exumado e se confirmou que a placa com o nome correspondia ao ocupante. Bastou o olhar emocionado de um pai para reconhecer o seu filho.
Sempre foi assim. Homem bondoso e sensato, portador daquela dignidade só reconhecível nos grandes. Desde os tempos do Monte Airoso em que, rapazola, se aventurava por aqueles cabeços, até à Rua da Parreira.
Quando a minha avó desistiu, depois de alguns anos em luta contra a solidão de Alzheimer, chorei. Chorei, impressionado por vê-lo chorar ao meu lado, inconsolável, enquanto assistia à deposição do corpo. Com um desconsolo talvez parecido ao meu, alguns dias mais tarde. Mas impediu-me de chorar, chorando ele em vez de mim, talvez querendo carregar com tudo quanto havia para carregar.
Sempre me habituei a ouvir palavras de estima e grande carinho sobre aquele velho afável. De desconhecidos. Não há muito tempo, fui abordado aqui em Évora por um cigano oriundo de Portel. Perguntou pelo meu avô e despediu-se batendo com a mão no peito. Depois dele, recebi o contacto da irmã. Falou-me da minha família. Transmiti esse orgulho ao meu pai e dei-lhe um abraço.
Hoje, o patriarca partiu. Os meus valores não são outros que os teus. Resta-me o teu filho mais velho, quiçá o melhor depositário do teu legado.
3 comentários:
Sem o conhecer... sabemos que tem na família quem continue a testemunhar valores como a dignidade e o respeito pelo outro.
Abraço amigo.
Um beijinho Alex.
Um forte abraço!
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