16 de fevereiro de 2009

Eu, Burguês!

Classe social cuja ascensão é devida ao fortalecimento das trocas comerciais através da usura e do alargamento físico dos mercados – partilhando o risco das descobertas com os monarcas – os burgueses tornaram-se também um símbolo do novo sistema político-económico emergente: o capitalismo.


Actualmente, nos países ocidentais, a categoria é difusa pois parece corresponder inequivocamente à classe média, portanto, a essa imensa maioria social. Estatisticamente, a moda. Em contrapartida, as classes produtoras – na terminologia marxista, «exploradas» – são uma espécie quase em vias de extinção nestas sociedades ocidentais contemporâneas porque uma boa parte da produção de bens de consumo e extracção de matérias-primas é assegurada por países do hemisfério sul. Hoje, não é preciso ser proprietário de meios de produção para ser dono de uma ilha… basta um telemóvel, discrição e um conjunto de acções dispersas por aqui e por ali. O patrão está sempre fora e isso não significa «dia santo na loja».


Debalde, a classe dos trabalhadores parece hoje abarcar quase indistintamente uma paleta socioprofissional tão vasta quanto a paisagem lunar. Embora nos deixem muitas dúvidas, exemplos como o do motorista TIR que é proprietário do seu camião: trabalhador ou patrão?


Uma observação mais detalhada nos aspectos culturais também não me deixa confiante. Quem são, culturalmente, os burgueses? Aqueles que vestem à moda? Vão ao teatro? Passam férias no estrangeiro? Compram casas de milhares de euros a meias com o banco? Falam com a boca cheia em estouvado desafio às elementares regras da boa educação? Comem brócolos com whisky?


Se fizer o raciocínio ao contrário mas ainda dentro da segmentação dicotómica marxista, chego facilmente à conclusão que os burgueses não têm lugar nem à classe dos trabalhadores nem na classe dos explorados. Só lhes resta a condição de «exploradores». Daí até chegar aos jovens, pequenos comerciantes, funcionários públicos ou artistas, é um pequeno passo, a avaliar pelo acesso a bens culturais, lazer, crédito bancário e conforto material de que estes grupos dispõem. De facto, ao que parece, trata-se de sujeitos pouco dados ao trabalho. Por outro lado, como a maior parte é dona do seu nariz, também não caberá na categoria dos «explorados». Nesse caso, os estudantes universitários, funcionários públicos e outros, não só são preguiçosos como se dão também a esses ares da cultura e dos tempos livres, enquanto outros vergam a mola. De resto, o ócio é próprio das classes dirigentes, logo, dos «exploradores». Como é evidente, esses direitos todos consagrados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem só podia ter sido redigida por gente que nunca fez nenhum. Como eu.


Elegi algumas características que considero paradigmáticas para a conceptualização do homem burguês actual:


- Esvaziamento ideológico em detrimento da exaltação da superficialidade das modas, instigadas pela lógica de mercado. Exemplos disso são, por exemplo, a massificação comercial da imagem de Che Guevara e o consumo ávido da cultura dominante por «explorados» e «exploradores» (cinema, música, comida e, até, legislação…).


- Afirmação de um consumismo multicultural com a apologia de valores pós-materialistas, os quais são, em todo o caso, a expressão máxima de necessidades básicas satisfeitas. Trata-se de um tipo de consumismo pretensamente solidário mas que não deixa de reflectir a necessidade de auto-realização material dos jovens burgueses: as músicas do mundo, a comiseração solidária mas genericamente apática com o Terceiro Mundo, os tapetes de Caxemira e o exotismo gastronómico de países longínquos, a assunção da experiência tão burguesa do Grand Tour, agora espraiada no mais remoto país visitável.


- A expressão da individualidade e do individualismo. Sintomas disso são o abandono do sexo em grupo e o emagrecimento dos conselhos de administração das grandes multinacionais.




Perante isto, o que poderia eu ser senão um burguês? Dado a jantares e boémia com os amigos; preguiçoso compulsivo e desnaturado; proprietário de um bem imóvel, de automóvel e outros móvel; frequentador de manifestações de arte e outras coisas inclassificáveis mas que dão uma imagem de tipo interessado e inteligente; sempre em pulgas para viajar por países mais próximos do que distantes e contar mentiras a torto e a direito para impressionar; adepto de uma alimentação equilibrada; defensor do ambiente e das mães de Bragança; crente numa divindade monetária e no Aladino; indiferente ao direito das lagostas em morrer de morte natural e; criador de rolos de cotão no umbigo para exportação...




…. Que outra coisa poderia eu ser senão um cruel e imperdoável Burguês?!

5 comentários:

João disse...

5 'strelas!

Anónimo disse...

Nós burgueses!...

Anónimo disse...

Este é um dos textos mais profundos que o autor escreveu em toda a sua vida. Deixai-o gozar este momento triunfante.

licínia disse...

Obrigado, por me ajudares a enquadrar na...burguesia.
Depois de ler o teu texto, senti-me... completamente burguesa e patética!

Anónimo disse...

nada disso... somos todos muita malucos e pós-modernos