30 de setembro de 2010

A inimputabilidade da marreta

A propósito do namorado que esmagou o crânio da namorada com uma marreta, a previsibilidade das estratégias das defesas em tribunal em casos relacionados é, por vezes, confrangedora. Neste, como em tantos outros casos, é fazer crer que tem perturbações mentais como se só estas pudessem justificar actos hediondos. Mas a cegueira do Código Penal português é ainda maior. A imputabilidade e a inimputabilidade em crimes particularmente violentos não podem ser distinguidas pela medida das sentenças (com reduções de pena conforme o grau de imputabilidade) mas sim pela natureza das instituições «reabilitadoras»: sentença de x anos num estabelecimento prisional comum ou o tempo que for preciso (nunca menos desses x anos enquadrados pela moldura penal) num estabelecimento prisional psiquiátrico, salvaguardados os casos comprovadamente excepcionais. Porque a medida da sentença não tem apenas um carácter correctivo/reabilitador: tem em vista, também, proteger a sociedade de indivíduos violentos, tenham ou não plena consciência dos seus actos.


As reduções de pena em casos de inimputabilidade comprovada enleiam um facto objectivo - o crime - num mar de subjectividade que não é compreensível, antes de mais, pelas vítimas. O facto de um indivíduo ser dado como inimputável pelo tribunal não apaga o crime. Terá sido isso que, surpreendentemente, o filósofo francês Louis Althusser procurou demonstrar quando, na obra autobiográfica «O futuro é muito tempo», reivindica a responsabilidade no homicídio da sua mulher e, consequentemente, a imputabilidade dos seus actos. O processo não foi revisto e foi em liberdade que viveu os restantes dias da sua vida. A decisão do tribunal francês foi, sobretudo, condescendente para com uma respeitável figura pública que, restam poucas dúvidas, sofria de doença bipolar com um longo historial de internamentos: «aos períodos de hipermania sucediam os períodos de hipomania». No fundo, na sua derradeira obra, Althusser dá uma resposta possível às imensas dúvidas que dividem juristas, «psis» e filósofos do direito nesta matéria.







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