4 de novembro de 2010

Mundo de Aventuras




Ao rever este vídeo (BAN, «Mundo de Aventuras», 1991) e o percurso aventureiro de um dos seus intervenientes, é inevitável pensar que o deprimente disto é a actualidade dessa ingenuidade metaforicamente transposta para acções formais e institucionais dos decisores, mesclada por sua vez com a bebedeira de poder que leva alguns homens a aventurar-se em empreendimentos para os quais não estão talhados. Desde logo, pelo desalinhamento entre a natureza geral e individual do interesse, enquanto gerador da acção (aqui entendido de acordo com a centralidade que lhe reserva Jürgen Habermas).


Nestas linhas, a aventura é formulada no sentido mais desgovernado do termo, ie, «sujeitar à ventura», deixar à sorte. Daqui se excluem os processos heurísticos de busca e enriquecimento pessoal ou colectivo, quando configuram uma aventura livre, revigorante, inócua. No sentido estrito aqui seguido, a aventura deixa de o ser quando os principais desfechos possíveis são previstos, interiorizados e racionalizados com precauções de evitamento, transformando-se numa integração controlada de riscos vitais. Mas é precisamente essa ligação à terra que se exige em escalas diferentes aos decisores, sejam eles governantes do país, autarcas, dirigentes associativos e empresariais ou o cabeça de casal de uma família com recursos limitados.


No mundo de aventuras «desencabecinadas» (envolvem, ainda assim, a assumpção de uma vontade), identificam-se dois caminhos distintos com repercussões divergentes (e eventuais desmultiplicações): o caminho da aventura enquanto processo de re-conhecimento e experimentação no qual a acção individual não extravasa a sua própria esfera ou, extravasando-a, tem implicações inócuas no outro; e o caminho da aventura enquanto processo de re-conhecimento e experimentação no qual a acção individual tem um alto potencial de implicações nocivas na esfera colectiva ou espaço público. Dois exemplos: o homem que quer ignorar uma realidade arriscada quando atravessa um deserto com poucas reservas e sem meios de comunicação (não controla o risco mas assume-o por sua conta) ou, até, quando se deixa levar sem rumo pelo aroma frugal do campo; e o homem que, consciente ou inconscientemente ignora essa realidade, arrasta outros consigo sentando-os «confortavelmente» na poltrona da confiança autista em que posa magistralmente, ou seja, na poltrona da sua estupidez.


Há dois elementos fundamentais para compreender a acção nefasta de alguns aventureiros, em particular os que caracterizados pelo segundo exemplo. Antes de mais, a Utopia, sobretudo quando em sobredosagem. Neste caso, o idealismo assente na crença da racionalidade hegeliana ("tudo o que é racional é real e tudo o que é real é racional"), revestido por uma ingenuidade inconsequente, afasta alguns homens do princípio de realidade material e, não obstante os bons valores e princípios, pode ter implicações graves ao nível da acção política. É nestas condições que a ralé emergente conquista espaço, por mínimo que seja. E assim é porque, regra geral, a ascensão política da ralé só muito tardiamente é percebida pelas sociedades e pelas comunidades e pelos pequenos grupos, inebriados estão pelo discurso sedutor e pela eventual bem-aventurança que abençoa os eleitos. E os tolos.


Utopia e ralé, fundidos num culto autista, resultam com frequência numa conjugação muito perigosa: a concretização da Distopia. A obsessão pela Natureza dos nazis e a obsessão pela História dos soviéticos como substituto da lei positiva (Hannah Arendt), tem naturais equivalências à sobreposição das leis religiosas que se verifica no fundamentalismo religioso ou, até, na "ascensão da insignificância" (Cornelius Castoriadis) que parece caracterizar particularmente este segundo tipo de aventureiros.

4 comentários:

Anónimo disse...

O blog acabou?

Anónimo disse...

é capaz disso...

Anónimo disse...

Porquê?

Anónimo disse...

Não é o facebook uma espécie de big brother?