25 de julho de 2011

A obra do deus anders

O «impensável» massacre da Noruega entrou certamente, como o seu presumível autor desejaria, na galeria dos mais hediondos, a par – não necessariamente em escala – dos insanos ímpetos de Ivan IV (O Terrível), da Inquisição, do projecto hitleriano ou ainda das limpezas étnicas nos EUA (índios), Arménia, Ucrânia, Curdistão e, mais recentemente, no Ruanda e nos Balcãs. Os exemplos históricos são inumeráveis mas, em todos eles, a acção é concertada por um aparelho colectivo legitimado pelas convicções de maiorias e executada por centenas ou milhares de carrascos. À semelhança do que ocorre com os incontáveis ataques terroristas à bomba, com napalm, gás sarin ou com aviões. E com os «ajustes de contas» políticos: um partido, uma doutrina, um líder (URSS, China, Filipinas, Cambodja, etc.).

Contrariamente e ao que tudo indica, Anders Breivik terá planeado e agido por sua conta e risco, liquidando em escassos 60 minutos tantas vidas humanas quantas as que se terá habituado a neutralizar friamente no universo virtual dos videojogos. Infelizmente, não é caso único. À semelhança de outros jovens que decidem fuzilar os colegas na escola, a família e tudo o que mexer na sequência de curto-circuitos cerebrais que denunciam problemas de afirmação social, a eficiência de Breivik é [ainda] mais arrepiante: pelo rigoroso e bem preparado planeamento da operação; e pela execução imaculada de todos (ou quase todos) os passos que tinha previsto. De meter inveja aos grupos terroristas mais encarniçados. Esta observação é fundamental para perceber que as sociedades enfrentam cada vez mais um sério problema: o de serem confrontadas com a sua vulnerabilidade às mãos de um qualquer sociopata entrincheirado pela normalidade e com um punhado de dólares na mão.

Mais do que os tão badalados conceitos de «crise de valores» e «choque de civilizações», endeusados por quem ignora ou despreza a ferramenta sócio-histórica e por quem tem interesse em beneficiar com esses pobres argumentos, o que está em evidência são os defeitos da civilização ocidental. E com isto, deixo bem claro que todas os têm ou tiveram pelo que não se trata de decretar uma doença civilizacional específica, no caso em particular, do Ocidente. O que está em causa é, em última análise, uma vulnerabilidade que não se combate com armas nem com a obsessão securitária mas, precisamente, uma vulnerabilidade que se alimenta da ignorância e da vulgaridade com que se acede, consome e se manipula a violência gratuita. Porque a ideia da superioridade civilizacional não nos vacina contra a frustração nem contra o mal.

A resposta não está apenas no que correu mal com o indivíduo x mas, também, nos difíceis e precários equilíbrios das sociedades abertas, tolerantes e democráticas. Faria diferença se este indivíduo não tivesse crescido em desafogo material, pouco familiarizado com a privação, a recusa e a frustração? Faria diferença se a vida não lhe tivesse sido aparentemente tão prodigamente normal e, consequentemente, desinteressante? Faria diferença se os direitos à privacidade fossem devassados por polícias de costumes? Estas e outras perguntas, deixemo-las aos especialistas.

Finalmente, e se fosse em Portugal, como seria a reacção geral se, ao fim de 25 anos em cumulativo jurídico, Anders Breivik se diluísse novamente entre a população? Porque, a não ser que morra na prisão, se suicide ou seja dado como inimputável, é isso que vai acontecer na Noruega.

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