11 de novembro de 2004

à tout propos (45)

MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE
Para os conviveram comigo em Lecce, assim como para os que tiveram oportunidade de me visitar durante aqueles meses, certamente se lembrarão de um poema cristalino que com orgulho mantivemos exposto na cozinha, assinado por esse grande poeta setubalense de finais do Século XIX que respondia pelo nome de Bocage. Falo de «a água», poema translúcido, sem sabor e incolor... Bocage provou que não tanto...
Por obra do acaso, veio-me parar esse texto ao email, o qual não posso deixar de publicar, já que trata das virtudes da água, esse recurso insubstituível e cujo valor vai aumentar exponencialmente após a leitura do poema que ora vos submeto. Já o Bocage o sabia, por isso toda a eloquência empregue no poema para dignificar mesmo a mais salobra água.
A ÁGUA

Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colhões
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.

Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz minete
que lava o chibo mesmo da rasca
tira o cheiro a bacalhau da lasca
que bebe o homem que bebe o cão
que lava a cona e o berbigão

Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a cona e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao caralho

Meus senhores aqui está a água
que rega as rosas e os manjericos
que lava o bidé, lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber às fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um broche.


Manuel Maria Barbosa du Bocage
PS: os italianos agradeceram...

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