13 de novembro de 2004

à tout propos (50)

MUQATA, ARAFAT, PACHECO PEREIRA E OS SEUS AMIGOS

Por estes dias em que a classe jornalística assentou arraiais junto ao hospital militar de Percy de Clamart, fomos bombardeados por relatos da mais variada ordem, índole, competência ou propósito, justificando reacções como a que (e.g.) nos dá conta Pacheco Pereira (em
www.abrupto.blogspot.com), referindo-se ao blog Homem a Dias (http://homem-a-dias.blogspot.com/2004/11/muqata-banana-e-cola.html).
No essencial, concordo com a indignação e até com o defendido por Pacheco Pereira, no que respeita à falta de «pudor, critérios, vergonha, conhecimento, juízo». É certo que jornalistas há bem poucos neste país, editores profissionais e coerentes ainda menos e público interessado, menos ainda que o ainda menos. Estamos todos de acordo em que frequentemente os «jornalistas» tomam partidos, fazem apologias, condenam em directo.

No entanto, há no texto de Pacheco Pereira uma breve e dissimulada ironia que simplesmente remete Arafat para o baú dos terroristas, naquela simplicidade néscia a que já nos habituou o presidente reeleito do Império.

Qualquer forma de terrorismo é abjecta, no entanto, entendo que a revolta convertida em desespero impede qualquer ponderação cartesiana. No mesmo sentido, a classificação de «terrorista» não me parece ser universal ou consensual, variando mais em função de circunstâncias e perspectivas.

Ora, pergunto-me: se Michael Collins foi para os ingleses um terrorista, foi para os irlandeses o quê? E a resistência francesa, foi para os franceses o mesmo que para os alemães (afinal de contas, é de uma ocupação que falamos)? A resistência afegã foi entendida da mesma forma para americanos e soviéticos? E a resistência kosovar, apoiada por americanos e perseguida por sérvios? As incursões republicanas durante a guerra civil espanhola eram ou não terrorismo? E os partidários de Xanana Gusmão, só matavam militares?

Latu sensu, o conceito de terrorismo remete para:

s.m., sistema de governar pelo terror e com medidas violentas;
actos de violência praticados contra um governo, uma classe ou mesmo contra a população anónima, como forma de pressão visando determinado objectivo;
forma violenta de luta política com que se intimida o adversário;
modo de impor a vontade por meio da violência e do terror.

Neste sentido, o que foi a colonização portuguesa? O que são os colonatos israelitas? O que é qualquer tipo de guerra? O que foi o Estado Novo? Neste baú, cabe necessariamente a perseguição movida por iraquianos e turcos aos curdos, verdade? Ou a perseguição dos cruzados aos muçulmanos; a Inquisição e a perseguição aos judeus feita pela Santa Sé; cabe, no fundo, toda a tradição cultural europeia que pretendem colocar no preâmbulo da futura Constituição europeia...

Entretanto, o argumento da violência sobre inocentes e civis não é válido pois tanto são inocentes e civis as populações que foram esmagadas debaixo dos exércitos de Napoleão, trucidadas pela detonação de bombistas suicídas, as que padeceram junto com as torres ou em qualquer cidadela espanhola, e muito em particular, as que morrem à fome por esse mundo fora para manter o nosso status quo ocidental.

Não adianta classificar o terrorismo ou procurar a sua ontologia. Interessa sim, perceber como se poderá reduzir o sofrimento não só dos que morrem como dos que encontram razões para matar. Mas para isso seria preciso que se acreditasse numa «ontologia de bondade» do ser humano...

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