26 de janeiro de 2005

A política a todos II





(Continuação)


Um desses exemplos, são os slogans que vemos espalhados por esse país, em milhares de outdoors que custam uma fortuna. A elaboração dos mesmos por técnicos de marketing político incorpora uma teleologia específica que é chegar aos portugueses através dos seus receptáculos sensíveis e naturalmente emotivos. Ao invés, esses outdoors obscurecem intencionalmente a força representativa de uma linha ideológica, doutrinária ou programática que será aplicada na governação de um país. E nessa medida, mascaram a ausência de estratégias... O tal slogan associado à foto do líder, denuncia a personalização da política defendida por Bernard Manin e que está na origem da colérica contestação movida contra Santana Lopes quando este foi nomeado pelo Presidente da República. É que, apesar de o governo ser proposto pelos deputados à Assembleia da República, é indisfarçável a colagem feita pelo líder ao cargo de Primeiro-Ministro. Aí residia a acusação de falta de legitimidade feita a Santana. Não é por acaso que em qualquer outdoor, aparece descaradamente e em enormíssimo plano, a imagem do líder. E quanto a isso estamos conversados...

Mas, retomando o fio à meada, vemos como frases do género “Voto Útil” (CDS-PP), “Agora Portugal vai ter um Rumo” (PS), ou “Contra Ventos e Marés” (PSD) são esvaziadas desse conteúdo fundamental, denotando antes todos os pruridos e estratégias estritamente partidário-pessoais que estão por detrás da feitura das mesmas. Demarcando-se do PSD, o CDS-PP apela estrategicamente ao voto útil, alimentando o sonho de crescer e prevendo uma humilhação monumental do seu [ainda] parceiro de coligação; O PS demonstra a pretensão de ser o bastião da competência; e o PSD procura divulgar a imagem da luta corajosa contra as vicissitudes e traições de que tem sido alvo.
“Tempo de Viragem” (BE) e “Mais Votos na CDU para Mudar a Sério” (CDU), são menos regurgitantes e pelo menos não podem ser acusados de não reflectirem a ideologia revolucionária que lhes está na origem.

O que é preocupante é que tudo se passa num círculo hermético sem contactos, por mais remotos que sejam, com o país expectante e real, o país dos problemas concretos que não aparentam ser os mesmos dos partidos e dessas pseudo-elites. Mais, restringem-se aos grandes centros urbanos, desprezando todo o interior. Nestes termos, a cultura político-partidária portuguesa é perfeitamente autista, boçal e pretensiosa, explanando toda a mediocridade em se fundam os seus alicerces.

Esta ausência de conteúdo (escandalosa no PS e PSD), esta imensa nebulosa tentacular em que se movem os dois principais partidos resulta do que Otto Kircheimer tipificou como catch all party, ou seja, enormes organizações partidárias que buscam desesperadamente votos em todos os recônditos lugares, procurando agradar a gregos e a troianos. Grosso modo, é nisso que estão transformados PS e PSD: alternância; sobreposição «ideológica» na disputa pelo eleitorado volátil, posicionado ao centro; reposicionamento das fronteiras à esquerda e à direita, sufocando os pequenos partidos (CDS, PCP e BE).

Mas se a credibilização da política e confiança no sistema político democrático depende em muito da actuação dos políticos e partidos, do lado da «procura» (sociedade civil), a responsabilidade por essa descredibilização é incontornável. A responsabilidade pelo «estado a que chegámos» não pode ser dissociada da sociedade civil apática, apenas envolvida nos seus affaires pessoais e habituada a ter quem lhe resolva os problemas, conformada e pouco qualificada. Potencialmente, estes factores serão resquícios da negação da participação popular desde a fundação da nacionalidade até ao 25 de Abril, salvo honrosas excepções em momentos críticos em que foi necessária a intervenção ou sacrifício do «3º estado»: as inúmeras guerras em defesa da soberania e outras patetices, a crise de 1383-85, restauração da independência em 1640, expansão ultramarina, 25 de Abril de 74 e pouco mais.

A qualidade da democracia decresce na razão da diminuição da qualidade dos políticos e para isso muito contribui este divórcio entre sociedade civil e política, num casamento que nunca o chegou a ser.
Não havendo pressão sobre o sistema político nem raciocínio crítico, mobilizado em torno de questões fundamentais, o relaxe entre a classe política é mais que previsível.

E basta dar uma olhadela aos nossos insignes representantes para ver que há muito perderam o respeito por quem representam.

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