4 de fevereiro de 2005

A que sabe a água morna?

Da hora e meia de debate, cerca de 20 minutos (entre as 20h30 e as 20h53) do meu precioso tempo foram esturrados em nada, conservando o registo por que se tem pautado a pré-campanha eleitoral, falto de conteúdo e ideias, extremamente rico em acusações inúteis e pessoais. Santana, como peixe na água, dá baile.

Foi desta forma que iniciou o frente-a-frente entre os dois líderes partidários. Como Rodrigo Guedes de Carvalho (um dos quatro jornalistas-moderadores) frisou, esse período serviu para aliviar a tensão acumulada pelos dois, durante os últimos dias. E serviu com uma eficácia apreciável, porque o resto do debate caracterizou-se por ser desenxabido e monótono. A isso não será alheio o figurino «à americana» escolhido, cujo cronómetro negou a possibilidade de debate e talvez também, de raciocínio. Muito americano, de facto.

Debalde, ambos com a lição muito bem estudada, «nem comeram nem deixaram comer»… Repassados os temas dos impostos, das pensões sociais e combate à pobreza e Administração Pública, Sócrates ensaia finalmente a inversão da tendência em falar em circulo, sem concretizar e escudando-se num discurso vago e sensaborão, sem nunca dizer «como fazer». Só quando se começa a falar de emprego é que o socialista consegue ter um discurso minimamente estruturado e concretizador.

Ao contrário de todas as expectativas, Santana apresenta-se melhor informado para o debate (recorrendo aos números) mas sem a vivacidade retórica que o caracteriza e é justamente na temática do emprego que por momentos vacila.

O ambiente (com a co-incineração), o tema dos valores e sociedade, e a vitória nas eleições, devolvem o equilíbrio pachorrento, não adiantando nada de novo. Divergem ligeiramente quanto ao conteúdo de questões como a co-incineração ou o referendo à interrupção involuntária da gravidez, mas na forma, mais não fazem do que ampliar pequenas divergências: um admite fazer um referendo, o outro quer fazê-lo quanto antes; um admite que uma pequena parte dos resíduos sólidos perigosos não têm destino concreto, o outro, a custo, lá justifica que é exactamente para esses resíduos que serve a co-incineração.

Desde o início, Sócrates mostra-se mais confiante, embora tenso e isso vê-se na postura permanentemente erecta e rígida do corpo e mãos. Exagera todavia na responsabilização do actual governo (desta legislatura) por tudo o que é mau neste país, sobretudo em matéria económica. De outra parte, Santana não esconde o desgaste, dando a impressão do aborrecimento e da fartura em ter que conviver com uma morte anunciada.

Encerram, cada qual com o seu discurso livre e Sócrates destaca-se pela boa preparação do texto, enviando uma mensagem positiva e apelando à mudança, no sentido da transmissão de energia aos portugueses e finalizando a sua intervenção com um bucólico «porque acredito nos portugueses e em Portugal». Muito apropriado.
Santana, com à vontade e sem nunca desviar o olhar da câmara, começa por recuperar a declaração de anúncio de demissão de Guterres quando afirmou que o país estaria prestes a entrar no pântano, alertando para o facto de a lista de Sócrates, integrar o mesmo grupo com o qual, Guterres se recusou a continuar. Insiste na sua boa governação enaltecendo as medidas concretizadas e a sua disponibilidade para nunca desistir; o tal que depois de uma rábula no Big Show Sic, anunciava a sua indisponibilidade para continuar na política…

E do debate, o que fica?
1. Dois líderes com reais aspirações que protagonizaram um dos mais pobres frente-a-frente que já vi.
2. A monotonia reflecte a quase ausência de clivagens políticas e ideológicas entre ambos, incapazes de mostrar em que é que são diferentes, onde está a necessidade de mudança. A distância que os separa é tão grande quanto a espessura de uma folha de alface.
3. Não se falou de questões essenciais como a educação, saúde, justiça e nem mesmo de estratégia macro-económica.
4. Longe de serem convincentes, denotaram um de dois aspectos: ou não sabem peva do que estão a falar, ou então guardam-se sabe-se lá para quê.
5. Um maior número de indecisos e descrentes.

6 comentários:

Anónimo disse...

Não assisti a todo o debate, mas a minha reacção ao que vi e ouvi em poucos minutos seria provavelmente a mesma: desinteresse! E é este um dos males maiores da nossa democracia - um desinteresse anónimo e crescente pelos que protagonizam ideias sem sal na nossa praça pública política...competências? Onde? Quem?
Haja pachorra! Há-de virar o disco e tocar-se do mesmo,e isso é aflitivo mas ao mesmo tempo muito desanimador!
Como renovar uma democracia ainda tão jovem mas também já tão caquética?!

Anónimo disse...

Olá Alexandre, estive a ler o teu artigo sobre o debate Sócrates-Santana (que
dois!), está bem escrito e tocas os aspectos fundamentais.

Fazia-te só uma ressalva, que é o facto destes dois crápulas estarem hoje à
frente da 'nação' representa, indubitavelmente, o triunfo corrosivo da
mediatização (sobretudo televisiva) na vida política e na sociedade portuguesa
em geral. Estes senhores não seriam ninguém sem a sua 'boa' imagem e sem as
suas aparições frequentes na televisão, com retórica ensaboada que seduz os
néscios. De feito, tanto quanto me lembro, até eram comentadores políticos no
MESMO programa, aqui há uns anos.

Pelo resto, louvo-te a paciência de teres assistido a todo o debate (já me
dirás que era por 'dever cívico'), mas penso que todas as situações que
descreves eram perfeitamente previsíveis.

Estes dois imbecis, além de não terem ideias, além da fronteira 'alfacinha'
que muito bem indicas tão só 'existir' entre eles, comungam também esta
característica - a mais detestável e singela previsibilidade.

Em princípio estou a pensar ir votar, pelo que estava a pensar num jantarzinho
contigo e o Luís (naturalmente incluo as companhias femininas) para sexta ou
sábado (18 ou 19). até já Alexandre

ARV disse...

Obrigado pelos vossos comentários. Realmente é como o Alexandre Nunes diz, os tipos construiram-se na sua relação com os media, esvaziados de conteúdo e com uma predilecção evidente pela forma, estética e retórica circular.

Ainda bem que vens a Portugal votar. Temos que alinhavar de uma vez por todas a minha ida a Barcelona.

Anónimo disse...

Ó Bandido, não me apoquente com coisas inúteis, caramba!

Volte para Zurugoa e alimente-se!

ARV disse...

E que mau humor, de resto... Mas não é preciso solidarizar-se e levar a questão tão a peito...

Anónimo disse...

Sobre o debate de ontem, do que vi, fiquei decepcionado com o peso que a máquina partidária e a estratégia de assalto ao poder a qualquer preço, continua a representar no discurso dos 2 artistas.
Em Santana pelas medidas eleitoralistas tomadas à ultima hora e Sócrates, que quando discursava parecia recitar o texto do teleponto escrito pelo Jorge Coelho e restante seita, que, o obriga a repetir as mesmas acusações demagógicas que em nada adiantam ao que realmente interessa definir, que é qual o rumo que este país deve seguir em termos de sectores de actividade a apostar e como. Parece que vão continuar a existir em compartimentos estanques o mundo da política e o mundo real, que cada vez se afunda mais.

JPPR