Variados são os aspectos de interesse que resultaram da ida de José Sócrates a Belém no passado dia 4, com o propósito de apresentar o seu elenco governativo ao Presidente da República e ao país. Nada de novo, apenas um procedimento habitual perfeitamente enquadrado no processo de formação de um novo governo.
Assume especial relevo a reabilitação de alguns políticos com experiência governativa, mesclada com a inclusão de sangue novo, assim como a curiosidade de os ministérios serem equitativamente divididos por militantes e independentes.
Porém, de todos esses factos e por força das circunstâncias em que ocorreu, há um que se reveste de anunciada relevância: a nomeação de Diogo Freitas do Amaral para Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Muito para além de um «prémio» pela recente e declarada apologia ao PS durante a última campanha eleitoral, a nomeação de Freitas do Amaral é sobretudo uma aposta na qualidade e na experiência, no rigor e na competência.
Podemos presumir que, em primeiro lugar, procura representar no plano externo, a imagem de um governo que se exige credível, competente e empenhado em restaurar a confiança dos portugueses e nos portugueses, consolidando as contas públicas, qualificando a população, melhorando os índices de produtividade e competitividade. De resto, convém alertar, a estratégia de um «choque tecnológico», o relançamento da economia e o recuo significativo do desemprego não são possíveis sem a captação de investimento externo.
Em segundo lugar, essa imagem ambiciona também ser a de um governo coeso na sua pluralidade, descomplexado e empenhado em gerar consensos em torno das grandes questões nacionais, independentemente da confortável maioria absoluta de 121 deputados que o suporta no Parlamento e lhe dá toda a legitimidade política e simbólica que faltou há bem pouco tempo ao XVI Governo Constitucional.
Perante a nova missão em concreto, é incontestável o imenso capital simbólico e empírico de que goza internacionalmente Freitas do Amaral. Este sólido capital vem-lhe tão-só da forma séria e rigorosa por que sempre pautou a sua actuação política, em particular nos cargos que assumiu como Presidente do CDS, Ministro dos Negócios Estrangeiros (1980), Ministro da Defesa Nacional, Vice Primeiro-Ministro (1980-82), Presidente da União Europeia das Democracias Cristãs (1981-83) ou mais recentemente, como Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas (1995-96).
Quanto à aparente deriva ideológica que terá protagonizado, há um aspecto crucial que não pode ser escamoteado: após 42 anos de um regime autoritário de direita, não havia nos anos sequentes à revolução de Abril, espaço ideológico à direita no espectro político-partidário português. O CDS de 1975 (Partido do Centro Democrático Social) surge claramente como um partido do centro e isso é visível nos princípios orientadores do partido. Aliás, todos os outros eram de esquerda e isso ainda hoje confunde os sociais-democratas europeus.
Sadiamente para a democracia portuguesa, o tempo apaziguou a memória e actualmente podemos afirmar com poucas reservas que o universo político-partidário português recobre as diversas sensibilidades ideológicas. E essa é uma benéfica conquista de Abril, sem a qual, nenhuma democracia tem condições para ser consolidada.
Talvez Freitas do Amaral tenha apenas permanecido fiel a um modelo de pensamento, valores e intervenção política, não se revendo na direita conservadora e para alguns, populista, em que derivou o partido liderado por Monteiro e Portas. Daí o gradual e anunciado afastamento de Freitas do Amaral em relação ao partido que fundou.
Terá sido isso que a liderança do CDS-PP não compreendeu quando, de forma algo intempestiva, decidiu «despromover» Freitas do Amaral, remetendo a sua fotografia para a sede do PS.
Por outro lado, a sua polémica aparição em manifestações falaciosamente conotadas com a esquerda radical (e.g. manifestação de oposição à invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas), revela tão-somente a sua congruência pessoal com os valores democratas e humanistas por que se norteia – num exercício activo de cidadania e para além das clivagens entre esquerda e direita – e com as resoluções emanadas da ONU, entretanto violadas arbitrariamente pelos EUA.
Por isso, mais do que «anti-Bush» ou «Anti-EUA», Freitas do Amaral é inequivocamente um defensor dos valores da democracia e da convivência decente entre os povos, à luz do direito internacional. E também isso não podia deixar de ser certamente considerado por Sócrates, no momento da sua decisão.
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