12 de março de 2005

Tomada de posse do XVII Governo Constitucional

Hoje pelas 11h30 teve lugar no Palácio da Ajuda, a cerimónia de tomada de posse do novo governo. E se o Primeiro-Ministro empossado salientou que «o maior desafio é estar à altura da maioria absoluta», ninguém melhor que o povo português para ver essa fasquia ser subida ao nível das expectativas que lhe foram induzidas pela deterioração económica e pela recente campanha eleitoral. E o povo mostrou inequivocamente qual a sua convicção, respondendo com o aumento do score participativo nas legislativas (65%), ao conceder a primeira maioria absoluta ao PS com 45% dos votos e sem esvaziar a esquerda, que registou subidas espantosas, em particular as protagonizadas pelo BE.

Esta demonstração popular é seguramente concebida num quadro de particular inquietação colectiva, que foi emergindo de uma crise que deixou há muito de ser estritamente enquadrável nas tendências da economia globalizada. A crise é essencialmente portuguesa! Nessa exacta medida, o caminho do XVII governo é espinhoso sendo a natureza do compromisso extraordinariamente exigente, mesmo para quem possua o Joker da maioria absoluta.


E talvez um primeiro desafio, intimamente ligado com a afirmação de José Sócrates, se prenda com a durabilidade do governo, ou seja, no paradigma em que vivemos actualmente, não é razoável assegurar estabilidade económica sem estabilidade política. Vamos para o 5º Governo em 10 anos.

Contudo, para enfrentar os desafios que se lhe colocam, o novo governo deve ser capaz de definir vectores estratégicos que permitam concretizar o seu modelo de desenvolvimento. Mais do que simples apostas eleitoralistas, têm que reflectir uma visão estratégica que resulte num apport estruturante para o país. E essas parecem ser cada vez mais claras. Falamos evidentemente do desenvolvimento sustentável, em que as energias alternativas ocupam um lugar de relevo como forma de combater a crónica dependência energética. E falamos também da aposta (tardia) nas tecnologias de ponta e na mão-de-obra qualificada, que fixe investimento externo atraído pela competitividade e excelência da qualidade, e não pela mão-de-obra barata. Essa não pode continuar a ser a estratégia de Portugal. Energia, educação e tecnologia.

Na verdade, o que ficou da «paixão pela educação» de Guterres ou do «choque fiscal» de Durão? Em bom rigor, há na nossa história governativa recente, marcos que balizam acontecimentos, como a entrada na CEE, o lançamento de obras públicas, a Expo 98 ou o Euro 2004, sem que daí tivesse resultado um investimento estruturante com consequências transversais a todos os sectores da sociedade. Basta olhar para o que «fica» de apostas exemplarmente sólidas como a da Irlanda – atracção de investimento externo a par da aposta na formação – ou da Finlândia – aposta na tecnologia de ponta, da qual as telecomunicações são o expoente máximo.

Com certeza que isso não é possível com reformas sucessivas na educação, ao sabor das mundividências de cada um dos incontáveis ministros. Qualquer reforma na educação não pode ser dissociada do incremento da qualidade e da transição coordenada entre os diversos níveis de ensino. Mas para isso há que acabar com os vícios das academias, e responsabilizar alunos e professores. Não é possível continuar com as altíssimas taxas de iliteracia que atingem inclusive alunos do ensino superior. Por outro lado, a competitividade não se compadece com um país de doutores e engenheiros mal preparados nuns casos, desfasados das reais necessidades do país, noutros. E nada disso se faz sem investigação séria, apoiada pelo Estado e progressivamente disseminada pelo sector privado.

Por outro lado, um país com fracos recursos como Portugal não se pode dar ao luxo de fomentar uma economia paralela que não contribui mas é parte na redistribuição. Nenhum governo teve coragem para isso. E basta recordar o polémico afastamento do malogrado Sousa Franco em 1999. Há, neste país, demasiadas pessoas que reivindicam sem qualquer legitimidade e uma das tarefas de Sócrates será justamente legitimar as reivindicações de todos os portugueses sem excepção.

De outro modo, é um facto incontestável o excessivo peso da máquina da administração pública e o que representa em encargos para o país. Não só deve emagrecer como passar pela redefinição do modelo burocrático, assente no tipo ideal de racionalidade legal-autoritário. Este modelo é datado e foi construído com base em outros alicerces. O mundo mudou, as necessidades e exigências das pessoas mudaram, desafiando a capacidade de intervenção e regulação do Estado.

Tal como o Estado deve ver o seu peso na sociedade diminuído, assim o interior exige que as autarquias deixem de ser o principal empregador das comunidades, isoladas na luta contra a desertificação. Este é apenas um sintoma. Apesar de unificados por uma língua, valores e cultura, os portugueses continuam porém a estar assimetricamente divididos em termos de desenvolvimento regional.
Não se justifica a observância da hipertrofia congestionante do litoral, com todas as agressões ao meio ambiente, à qualidade de vida e ao definhamento progressivo do interior. E aí, sejamos claros. Ou se avança para o empowerment local ou se altera de uma vez o disposto no n.º 1 artigo 235º, Título VIII, Cap. I da Constituição da República Portuguesa. Não se referenda a implementação daquilo que já está constituído constitucionalmente.

Finalmente, exige-se ao novo executivo que governe pelo, para e com o país e não para o lado. É com isso que contam os portugueses, é aí que reside a nossa esperança.

1 comentário:

Anónimo disse...

temperança - a maior virtude?