6 de julho de 2005

Plano de Investimentos em Infra-Estruturas Prioritárias

Foi hoje apresentado o Programa de Investimentos em Infra-Estruturas Prioritárias pelo governo (PIIP).

Para uma análise mais detalhada, recomenda-se a consulta da
apresentação sumária e da versão integral do próprio documento.

Que sejam assacadas as intenções do governo pelos partidos da oposição, não espanta. Afinal, esta é o torpe modus faciendi da política em Portugal. Já nos habituámos a isso, sejam quais forem as forças na oposição: uns porque já só se identificam com essa condição, outros porque vivem obcecados com o poder e encaram o lado oposto da barricada mais como humilhação do que como missão. É natural que daí, pouco venha de relevante e benéfico para o país, sobretudo em conjunturas como a actual, pouco propícias a divisões irracionais dominadas por matrizes de «pensamento» partidário. E esta crítica vale indistintamente para todos os partidos políticos portugueses. São sufocantes as náuseas provocadas por essa lógica autista, hipócrita, irresponsável e embusteira, ostentada por partidos e e demasiados políticos. Salvo raríssimas excepções.

Por isso, independentemente das críticas que possam ser movidas contra este PIIP, a verdade é que pela primeira vez em muitos anos de democracia, é possível reconhecer uma linha de orientação estratégica, um rumo, que resulta de um processo de planeamento destinado a combater problemas concretos, estimulando sectores específicos. Por serem projectos estruturantes é que a sua concretização se reveste do carácter prioritário. Pela primeira vez se vislumbra um tímido esboço daquilo que se exigia
neste texto a propósito da tomada de posse do governo.

Tudo pode não passar de mais um plano de governo como tantos outros, mas a esta altura não creio que seja minimamente racional classificá-lo com o rótulo da má fé, como de resto, deixaram transparecer as palavras de certos dirigentes partidários da oposição. A este respeito, admito que o presente PIIP incluirá numerosos projectos que já estavam delineados. Mas isso é estupendo! Portugal não pode continuar a suportar os caprichos das ideias de políticos «visionários» sempre que há dança das cadeiras, sujeitando o Estado e a sociedade civil à imaginação experimentalista de quem vive obstinado com o seu lugar na história. Do ponto de vista da democracia representativa, isso é um absurdo e infelizmente, são alguns políticos a dar a machadada fatal na nobreza dos princípios democráticos.

Por seu turno, a crítica movida contra a comparticipação privada neste investimento é legítima, porque o governo está a actuar no campo das suposições quando prevê as parcerias público-privadas e de iniciativa exclusivamente privada em cerca de 54% do bolo, ou seja, aproximadamente 13 500 mil milhões de euros. Em contrapartida, essa ideia veiculada por uma certa esquerda dogmática, defensora de um Estado maximalista é absurda e completamente desfasada da realidade em que vivemos, dinamizada por uma intensa interdependência global. O próprio Bloco de Esquerda parece ter percebido isso.
Bem ou mal (uma vez que jamais se verificaram as «tais» condições históricas), ao Estado compete a regulação do mercado e não a sua estrangulação. E a prática portuguesa, assim como os inúmeros exemplos no mundo já nos mostraram claramente como a ubiquidade do Estado nem sempre se revela eficaz. Por uma razão muito simples: a iniciativa privada visa o lucro enquanto a lógica do Estado não, pelo que não se pode substituir àquela, que deve ser SEMPRE, objecto de regulação pelo Estado, que é o mesmo que dizer, todos nós.

Por isso, é fundamental que os privados também contribuam para a sustentabilidade económica do país, rompendo com o tradicional divórcio entre sector público e privado em termos de estratégias nacionais. E neste campo insisto, reside um factor muito interessante: a arregimentação do investimento privado em convergência com as estratégias definidas pelo Estado. É indispensável que assim seja e que o Estado seja acompanhado pelos privados nesta meta. É elementar que os privados apostem na I&D e invistam no seu próprio país, criando em simultâneo condições que visem atrair investimento estrangeiro de qualidade, diminuam a importação de produtos com alto valor acrescentado e exportem produtos com alto valor acrescentado.

É imperioso que o Estado garanta igualdade nas condições de acesso à educação, saúde, justiça e segurança; que vele pelos direitos cívicos, sociais e políticos; que combata a exclusão social; seja equitativo e assegure condições de subsidiariedade entre regiões e grupos de indivíduos; que respeite os compromissos internacionais e seja solidário com os países pobres.

Mas ao Estado não compete seguramente competir no mercado nem tampouco prosseguir a política despesista, em sintonia com a delapidação dos seus próprios recursos, levianamente esbanjados ao sabor do vento.

Nesse caso, espera-se que com estas medidas, as empresas portuguesas consigam aproveitar a «comparticipação nacional» e se requalifiquem, investindo na sua própria sustentabilidade. Por outro lado, é conveniente não esquecer que o próprio Quadro de Referência Estratégica Nacional implica necessariamente a existência de fundos comunitários. Também neste sentido, o actual PIIP (em princípio) poderá revelar-se um óptimo instrumento para não repetir situações miseráveis como a atribuição cega de subsídios ao Vale do Ave e à agricultura, onde nada foi feito, nada foi exigido, ninguém foi responsabilizado (nem o Estado português nem os beneficiários directos).

Não nos iludamos, pela actual situação só podemos responsabilizar uma entidade, neste caso, uma entidade colectiva: os portugueses, nos quais englobamos os sucessivos governos; a inépcia de empresas desqualificadas, artesanais e incumpridoras, por vezes geridas por gente simultaneamente sem escrúpulos nem visão; e o grosso da população, cúmplice dos governos, da incúria e das estratégias de evasão fiscal. Ponto.

Não obstante, mesmo que o PIIP seja bem sucedido (e não vem aqui ao caso se os projectos são indiscutíveis, nomeadamente a OTA e o TGV, porque o não são), uma estratégia global não pode ficar refém de um único programa de boas intenções. Mais do que emagrecer, o funcionamento do sector público tem que ser repensado, em particular ao nível da falta de organização geral e processual, da total dispensabilidade de numerosos institutos públicos e da requalificação de funcionários. E neste domínio encontramos de tudo: excelentes profissionais desmotivados (dos melhores entre os melhores), funcionários incompetentes e sem brio, funcionários desadaptados, funcionários mal dirigidos por chefias mentecaptas nuns casos, disléxicas noutros.

Finalmente, se o actual governo alimenta o desiderato de ficar no lado certo da história (muito para além das obsoletas concepções ideológicas de esquerda e direita), nesse caso, que fique na história como o governo que devolveu a confiança aos portugueses por não ter dado tréguas à evasão fiscal, às mordomias e às assimetrias sociais, por ter criado condições para um efectivo respeito pelos direitos cívicos, sociais e políticos e, acima de tudo, por ter garantido igual justiça para todos, apenas isso, justiça.

Caso o não consiga, cá estaremos para cobrar… Porque a meta de 1,6% do défice público em 2009 é ousada e o balão de oxigénio está lentamente a esgotar-se, asfixiando lentamente o país dos brandos costumes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Escrever um texto equânime, como este, só é possível quando não usamos óculos - os inevitáveis óculos, é certo - feitos de material ideológico doutrinal ou dogmático.

ARV disse...

Há uma passagem em «Para Além de Bem e Mal» de Friedrich Nietzsche que muito aprecio e que versa mais ou menos assim:

"As convicções são cárceres"

Em todo o caso, sem elas já temos as amibas e todo o reino vegetal. Por isso, talvez o melhor seja trazer sempre no bolso uns quantos pares de óculos, de diferentes graduações e sensibilidade à luz.

A cultura foi feita para auxiliar os homens, não para subtrair a natureza...