24 de janeiro de 2006

Presidenciais 2006: Um Rescaldo Para o Futuro

No passado dia 22 realizaram-se as sétimas eleições presidenciais democráticas em Portugal. Ajuntando ao período de crise económica que o país atravessa e à crise manifesta em algumas instituições portuguesas (Justiça, Educação, Administração Pública), o presente acto eleitoral evidenciou inequivocamente uma crise política que não sendo novidade (aumento generalizado da abstenção eleitoral, dissolução da Assembleia da República, etc.), é gradualmente observável e sentida.
Para além da mudança de valores operada em todo o mundo, a crise provem igualmente do interior dos próprios partidos políticos e nesses termos, encontra a sua lenha em duas ordens de factores: na própria sociedade (porque é nela que são recrutados os políticos e aprendizes de políticos) e na lógica de estrutura e acção, própria de instituições formais burocráticas e bafiosas, assentes em clientelismos e mecanismos de decisão verticalizados. São as elites que temos, em boa parte, recicladas do antigo regime. Quer à esquerda, quer à direita.

Ora, um dos reflexos da crise política actual, encontramo-lo nestas presidenciais. Pese embora o facto de a eleição para a Presidência da República partir, em tese, de candidaturas supra-partidárias, é incontestável o papel asfixiante dos partidos na escolha da figura presidenciavel, na mobilização de eleitores e na segmentação do universo político. Até aí, tudo mais ou menos…

Assim, nestas eleições, um sintoma da crise não poderia jamais ser imputável à candidatura independente de Manuel Alegre, afinal, a candidatura mais consentânea com o espírito das presidenciais. Contudo, o avanço à revelia do PS, sugere uma crise interna dentro do mesmo, porque a força dos partidos políticos reside justamente na sua homogeneização, na sua unidade, na sua coesão.
Foi exactamente na senda deste status quo que Sócrates se exprimiu, no momento em que se dirigiu ao povo português para cumprimentar o novo presidente eleito, Cavaco. Apesar dessa intenção de apaziguamento enviada para o interior do PS, Sócrates lá foi fazendo coincidir o momento da sua intervenção com o de Manuel Alegre. O grande derrotado era Soares, apoiado pelo PS. Era então o Secretário-Geral do PS e Primeiro-Ministro quem comunicava ao país e, nesses termos, seria mais do que previsível que a cobertura mediática se voltasse para ele, voltando as costas a Alegre. Uma demonstração de força, portanto. E de minúscula vingança.

Por outro lado, era comummente aceite que a candidatura de Mário Soares significaria à partida uma derrota da renovação, do rejuvenescimento das ideias políticas e da acção dos políticos. Ao apoiar esta candidatura (independentemente da terrivelmente mal explicada história em torno de Alegre e Soares), o PS denotou claramente a inexistência de alternativas e a incapacidade de apresentar candidatos credíveis. Demonstrou igualmente a incapacidade de encetar uma ruptura com o establishment das elites políticas portuguesas do pós-25 Abril.
Apesar de tentadoras, não me parece que se encontre espaço para as teorias da conspiração: Sócrates desejava vencer as eleições, que mais não fosse, por uma razão muito simples: a sua reeleição depende fortemente do estado anímico do PS e só um PS forte, unido e com credibilidade junto do eleitorado lhe poderá dar essa vitória. Até porque a «eliminação» da família Soares é um dado adquirido. A idade de um nunca lhe permitiria fazer um segundo mandato presidencial, enquanto o desempenho titubeante do filho se encarregará de o levar à sua «auto-destruição».

Outro dos derrotados é sem dúvida Francisco Louçã. Não porque não foi eleito ou porque a esquerda perdeu, mas sim porque vê formar diante de si, um movimento que, a sê-lo no futuro, ocupará uma parte considerável do universo político do Bloco de Esquerda. O movimento desencadeado por Manuel Alegre poderá vir a significar o desaparecimento do BE. Uma questão de posicionamento ideológico.

E é este o único sintoma verdadeiramente positivo que transpira das eleições de Domingo. A democracia portuguesa deu, agora sim, provas de alguma maturidade, ao permitir – não sem espinhos – que um movimento de cidadãos pudesse concorrer a eleições de primeira linha sem a intromissão directa de um partido político.

Com ou sem experiência, com ou sem militantes ressabiados do PS, com mais ou menos organização, o movimento de Manuel Alegre – a esquerda que faltava para ocupar o espectro político situado entre o PS e o PCP – conseguiu nada menos do que a segunda maior votação. Apesar dos 6 candidatos, é pela acção desencadeada pela candidatura de Manuel Alegre que o consagrado Cavaco Silva quase se viu na eminência de ter que disputar uma segunda volta.

Em suma, para a democracia portuguesa, resta que o movimento aceite o desafio de se estruturar para o futuro e dentro de uma linha que rompa com as prerrogativas e lógicas partidárias, mais ou menos obscuras. E que consiga também romper com os conceitos exangues, estáticos, estanques e obsoletos de esquerda e direita.

Sem comentários: