23 de fevereiro de 2006

Ainda a Boa e a Má Moeda

A propósito de uma questão levantada no texto «Um fraco rei, faz fraca a forte gente» (publicado no Mais Évora), na sequência de uma série de escaramuças antigas em torno de uma certa pretensão ao prémio «trabalhador do mês», alimentadas por sujeitos provenientes do sector público e privado, possivelmente insatisfeitos com as suas performances laborais. A analogia com a figura do «rei» remete para o timoneiro, o líder.
Para além de bem e mal, muito para além da determinação e virtuosismo de um Rei forte, a questão remete para toda a família real. Remete igualmente para a concepção de monarquia e para a forma como é entendida por quem tem a responsabilidade de decidir.
Não pretendendo de nenhum modo desresponsabilizar o Rei [não foi obrigado a estar presente no dia da sua própria coroação] sem assacar-lhe as devidas responsabilidades, parece-me claro que as lógicas da coroação, das alianças e da própria estrutura funcional da monarquia terão que ser revistas. Profunda e dolorosamente revistas.
«Caiga quien caiga»...Não há fórmulas especiais nem pólvora a inventar. Mas é imprescindível que sejam assumidas opções estratégicas e o compromisso de as concretizar.
Não é novidade que a Administração Pública tenha gente e institutos a mais. A própria Administração Indirecta do Estado - em particular as autarquias locais - tem gente a mais, apesar de mais eficiente do que a Administração Directa (ver relação do orçamentado anualmente e os resultados do investimento, independentemente de casos de corrupção, nepotismo, peculato, despesismo, abuso de poder, etc., que possam ser confirmados pelos tribunais). Os municípios são demasiados e mal distribuídos, as autarquias são filhas de um deus menor. Por outro lado, não há orgãos de poder intermédios que sejam mais do que unidades de gestão do Estado e que possam diminuir a pesada carga de direcções regionais apinhadas de gente e CCDR's, autênticos ninhos.
Mas em praticamente todos os sectores do Estado se gastam demasiados recursos. Em quase todos eles, a organização do trabalho nem sequer é racional, nem sequer se honra condignamente a burocracia, hoje obsoleta. mas que num dado período histórico foi necessária a sua implementação.
Em concreto, a organização em que se encontram alicerçadas as competências e atribuições do Estado, não conseguiu nem se preocupou em acompanhar as tendências ritmadas que a todo o momento mudam a realidade social, política, económica. Onde estiveram todos estes anos os digníssimos representantes eleitos pela população? O problema dos partidos políticos é outro e tão complexo, não poderia nunca caber nestas linhas.
Independentemente do funcionário mais ou menos zeloso, exige-se uma profunda reforma da Administração Pública. Repensar todo o seu funcionamento e inclusive, o objecto da sua actuação. Porque no que respeita às qualidades dos funcionários, não hesito em afirmar peremptoriamente que na Administração Pública é possível encontrar os melhores profissionais em Portugal. Do dirigente ao operário, «com lugar a titular» em qualquer bem sucedida empresa portuguesa (também as há).
Com estruturas mais flexíveis, o sector privado português (grosso modo) não consegue melhores resultados do que a Administração Pública, em parte porque a matéria-prima é a mesma, enxertados da mesma cepa... Também não me parece que isso levante muitas dúvidas.
Em rigor, muitas dessas micro e pequenas empresas que por aí pululam [muitas vezes assentes em núcleo familiar e quase todas lideradas pela figura do «patrão», homem manhoso para as finanças, indisciplinado para o contabilista], funcionam tão mal quanto algumas repartições de finanças ou da segurança social, etc. E não nos fiquemos pelas empresas de menor dimensão...
Mas há sempre uma esperança. E essa esperança radica nas novas gerações. Que possam fazer uma ruptura sem que absorvam essa cultura empresarial e política que vigora. As novas gerações têm que reivindicar ser ouvidas e chamar a si a decisão.
Para além de bem e mal, não é só preciso que «a má moeda seja afastada pela boa moeda». Altere-se também o conceito de moeda.

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