21 de fevereiro de 2006

Idiotas, Loucos, (Im)Perfeitos

Na sequência do post de há dias denominado O Perfeito Idiota, chegou a esta humilde casa (e por aqui se responde parcialmente à outra questão da nomenclatura), o seguinte texto:


fez-me recordar o idiota-sábio Mulla (mestre) Nasrudin, uma personagem criada pela tradição sufi, uma corrente do Islão que nasceu como resposta à degradação da fé islâmica (e que agora atinge extremos inusitados, como podemos diariamente constatar).
Os sufis auto-denominam-se de “idiotas” (perfeitos, na terminologia ARV) e um dos seus métodos básicos de ensino são os contos (nenhuma outra tradição os iguala neste aspecto). A intenção de Mulla Nasrudin é, normalmente, romper os hábitos da mente para poderem abrir-se novas dimensões à percepção humana. A “técnica” consiste em se desempenhar o papel de idiota (perfeito…) a fim de chamar a atenção, no final, para a verdade (sapiência). Na língua árabe parece existir uma qualquer equivalência entre “idiota” (balid) e “santo” (wali), parecendo-me óbvio que os fundamentalistas não a entendem minimamente.
Vou dar um exemplo (de memória), em que o objectivo é o de advertir-nos de que pensamos de acordo com padrões e, assim, temos sérias dificuldades em ajustar-nos a um ponto de vista diferente, perdendo-se muito do significado da vida. Podemos viver e até progredir, mas escapar-nos-á muito daquilo que nos acontece e, portanto, perdemos inúmeras lições no presente:
“Montado no seu burro, Nasrudin cruzava a fronteira, todos os dias, levando cestos cheios de objectos sem grande valor, como palha, etc. Como o “idiota” se gabava publicamente de ser contrabandista, passava as “passas do Algarve” com os guardas da fronteira, de um e do outro lado. Revistavam-no, examinavam tudo com extremo cuidado, ameaçavam-no e, frustrados, até chegavam a queimar-lhe a carga. Quanto mais ele prosperava na vida, mais implacáveis se tornavam as suas passagens pela fronteira.Anos depois, já reformado e a viver muito confortavelmente noutro país, foi reconhecido e abordado por um dos antigos guardas fronteiriços:
- Agora podes contar-me o que é que contrabandeavas naquele tempo, pois nunca conseguimos apanhar-te em flagrante?
– perguntou-lhe o ex-guarda.- Burros!! – respondeu-lhe Nasrudin (no duplo sentido, creio eu).”

António Eugénio


Já Erasmo de Roterdão ensaiava no seu Elogio da Loucura, as qualidades vitais da Estultícia, glorificando-a e colocando-a no patamar do Olimpo, ou de outra altíssima casa (conforme os casos). A Estultícia como fonte primária das coisas, aqui em discurso directo:
que será mais doce e mais precioso do que a própria vida? E quem contribui mais do que eu para dar a vida? (…) Que seria a vida, que poderia dizer-se da vida, se lhe faltasse a voluptuosidade? Aplaudis, meus amigos? Já sabia que nenhum de vós é bastante sábio, ou bastante louco, digamos bastante douto, para ter outra opinião.

A Loucura surge como aqui como percursora do verdadeiro conhecimento, justamente porque surge enquanto elemento de sátira à soberba das verdades instituídas e dogmáticas, do imediatamente tangível. Equivalem-se, segundo o flamengo, essas duas condições: loucura e erudição.


No mesmo sentido, ridendo castigat mores, adágio personificado na figura de Joane, parece zombar a toda a hora da «perfeição», ou seja, da inversão da idiotice (estado sublime de imperfeição, logo, mais alto do que o estádio de perfeição), elevando-a acima da impressão, do preconceito, como sucedeu na história de Nasrudin. O imperfeito, o idiota, o louco…


Agradecido ao digníssimo leitor, António Eugénio.

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