17 de fevereiro de 2006

O Perfeito Idiota

Qual a fronteira que separa o perfeito idiota do idiota perfeito? Mais, segundo alguns profetas e outros, a idiotice é um sintoma da vida, é-lhe perfeitamente natural e até princípio básico de actuação. Assim sendo, da condição de parvos [ab origine] não nos livramos pelo que qualquer que seja a nossa actuação independentemente do ground, essa será sempre reconhecida dentro da mais absurda dimensão.
Tomando como certa essa proposição de partida, qualquer acção ou atitude será sempre passível de superar a condição de idiota, de parvo, que nos foi indexada no momento da criação. O homem (e a mulher, naturalmente), são naturalmente idiotas, portanto, perfeitos na sua essência.
O idiota perfeito é assim um ser positivo e esperançoso, assertivo, alegre mas imperfeito. Ao contrário, o perfeito idiota será aquele gajo que nem da condição de partida se consegue emancipar, permanecendo num estádio da mais pura perfeição.
Bom fds.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eis um texto desafiador do ARV para se poder fazer alguma coisa útil no intervalo do almoço. Considero-o, mesmo, uma excelente metáfora-síntese da nossa condição/evolução humanas.
Esta questão fez-me recordar o idiota-sábio Mulla (mestre) Nasrudin, uma personagem criada pela tradição sufi, uma corrente do Islão que nasceu como resposta à degradação da fé islâmica (e que agora atinge extremos inusitados, como podemos diariamente constatar).
Os sufis auto-denominam-se de “idiotas” (perfeitos, na terminologia ARV) e um dos seus métodos básicos de ensino são os contos (nenhuma outra tradição os iguala neste aspecto).
A intenção de Mulla Nasrudin é, normalmente, romper os hábitos da mente para poderem abrir-se novas dimensões à percepção humana. A “técnica” consiste em se desempenhar o papel de idiota (perfeito…) a fim de chamar a atenção, no final, para a verdade (sapiência). Na língua árabe parece existir uma qualquer equivalência entre “idiota” (balid) e “santo” (wali), parecendo-me óbvio que os fundamentalistas não a entendem minimamente.
Vou dar um exemplo (de memória), em que o objectivo é o de advertir-nos de que pensamos de acordo com padrões e, assim, temos sérias dificuldades em ajustar-nos a um ponto de vista diferente, perdendo-se muito do significado da vida. Podemos viver e até progredir, mas escapar-nos-á muito daquilo que nos acontece e, portanto, perdemos inúmeras lições no presente:

“Montado no seu burro, Nasrudin cruzava a fronteira, todos os dias, levando cestos cheios de objectos sem grande valor, como palha, etc. Como o “idiota” se gabava publicamente de ser contrabandista, passava as “passas do Algarve” com os guardas da fronteira, de um e do outro lado. Revistavam-no, examinavam tudo com extremo cuidado, ameaçavam-no e, frustrados, até chegavam a queimar-lhe a carga. Quanto mais ele prosperava na vida, mais implacáveis se tornavam as suas passagens pela fronteira.
Anos depois, já reformado e a viver muito confortavelmente noutro país, foi reconhecido e abordado por um dos antigos guardas fronteiriços:
- Agora podes contar-me o que é que contrabandeavas naquele tempo, pois nunca conseguimos apanhar-te em flagrante? – perguntou-lhe o ex-guarda.
- Burros!! – respondeu-lhe Nasrudin (no duplo sentido, creio eu).”

PS : Adoptei propositadamente o termo “passas do Algarve”, porque também existiram escolas sufis durante toda a ocupação da Hispânia/Península Ibérica (711-1492).


A Ana Carla, quando encontrar o Alex, pergunte-lhe as razões do título e do mais recente subtítulo. Ele saberá explicá-los melhor do que ninguém. Concordo que são fortes, no sentido de que ser humilde é uma fortaleza dos homens e assumirmos a nossa verdadeira identidade é fortemente incentivada…pelos “deuses”.