1 de março de 2006

Escola a Tempo Inteiro

Na habitual crónica de Vital Moreira no jornal Público (28 Fevereiro), o constitucionalista exalta o caminho seguido pelo governo [reforçando-lhe a actuação com uma dose de coragem], enaltecendo por sua vez o conceito de Escola a Tempo Inteiro. Este modelo é integrado numa reforma mais ampla do sistema educativo, a qual “compreende várias dimensões: o alargamento do horário de abertura das escolas; o preenchimento dos hiatos criados pelas faltas dos professores, mediante actividades de substituição; a ampliação das valências não lectivas (culturais, desportivas, etc.); a estabilidade do corpo docente (…)”.

Na generalidade, esta será uma medida acertada, ainda que os interesses corporativistas e os sindicatos se oponham. É natural e legítimo que o façam, embora demonstrem em toda a linha a mesquinhez utilitarista e se distanciem do princípio de realidade que em tese deverá ser consubstanciada na prioridade dada aos alunos, aos utentes. E neste campo, só um governo forte, determinado e com uma certa dose de cinismo, poderá velar pelo interesse geral em detrimento do interesse particular.

Contudo, há o reverso da medalha, meramente ideológico. Puramente teórico, nos dias que correm.

A «Escola a Tempo Inteiro» significa um caminho inverso àquele que tem vindo a ser conquistado a partir de inúmeras lutas travadas pelo tecido social e até pelos sindicatos; fruto das teses liberais e conquistas democráticas.

Tal como uma série de direitos conquistados e aplicados na Administração Pública, que infelizmente não foram objecto de um acompanhamento no sector privado (é deste lado da barricada que está a deficiência que, por uma questão de equidade e solidariedade, vai ser estendida à Administração Pública, com a perda de direitos e garantias assumidos, contratualizados, conquistados), seria suposto caminhar em sentido inverso, isto é, libertar os jovens e os pais, para lhes restituir a dimensão dos laços familiares consolidados, da socialização primária e de uma aprendizagem alternativa fundada na multiplicidade de interacções com diversos ambientes [que não se esgotam naturalmente pela circunscrição física da escola]. Favorecer os contactos face-a-face e aumentar a qualidade de vida com a redução do tempo de trabalho e da doutrinação mecânica e indiferenciada das crianças. Os pais não conhecem os filhos e vice-versa. Nem há pachorra para isso ao fim de um dia desgastante e vivido para os outros.

Por outro lado, a quantidade de horas de trabalho e de aulas não significam o seu equivalente em produtividade, seja no trabalho, seja nos bancos de escola. Parece pacífico. Mas por seu turno, um acréscimo de duas ou três horas do dia para fruir as relações interpessoais ou simplesmente para ter tempo para se «ver ao espelho», podem ser determinantes. Mais tempo livre, mais tempo para as pessoas e sobretudo diversificar as actividades e os afazeres. Sem que isso implique, obviamente, o vagueamento colectivo de crianças e adolescentes. Contudo, permanecer 10 horas por dia numa escola também não é particularmente saudável... Ainda que sejam frequentes as actividades extra-curriculares.

Esta medida [sem querer minimamente melindrar ou contestar a sua bondade], vem contribuir no longo prazo para cimentar e incrementar de algum modo, o conceito de homem-autómato, funcional para a sociedade, disfuncional para si próprio.
Mas essa reforma do tempo era o que deveria ser, não o que pode ser. Por isso, a medida tem que ser benvinda.

Sem comentários: